1.2 Esvaziamento ou redução da pergunta
QUINTO ENCONTRO
ATITUDES NÃO‑RAZOÁVEIS DIANTE DA
INTERROGAÇÃO ÚLTIMA: ESVAZIAMENTO DA PERGUNTA[1]
QUINTO ENCONTRO
ATITUDES NÃO‑RAZOÁVEIS DIANTE DA
INTERROGAÇÃO ÚLTIMA: ESVAZIAMENTO DA PERGUNTA[1]
(...) Passo a enumerar seis atitudes, não por puro amor à enumeração, mas porque, de um modo ou de outro, para todos nós estas atitudes são tentações, quando não práticas já vividas. "Nihil humani a me alienum puto" (Nada do que é humano considero estranho a mim): não acredito que não possa acontecer também comigo uma coisa que tenha acontecido a outro homem; seja como for, estas atitudes definem estatisticamente a postura, pelo menos prática, da maioria.
1. Negação teórica das perguntas
Antes de tudo, chamo negação teórica das perguntas o fato de que aquelas perguntas, aquelas interrogações, são definidas como "sem sentido". As frases que exprimem tais perguntas teriam uma consistência apenas formal.
(...) "As perguntas nas quais se condensa a confusa e indiscriminada veleidade reflexiva dos adolescentes, a sua primitiva e sumária filosofia (o que é a vida, para que serve, qual é o fim do universo, por que existe a dor), aquelas perguntas que o filósofo verdadeiro e adulto afasta de si como absurdas e carentes de um autêntico valor especulativo, e tais que não comportam resposta alguma nem possibilidade de desenvolvimento, estas mesmas perguntas se tornaram a obsessão de Leopardi, o conteúdo exclusivo de sua filosofia".
Ah, entendi! ‑ disse aos meus alunos ‑ Homero, Sófocles, Virgílio, Dante, Dostoievsky e Beethoven seriam adolescentes, porque toda a sua expressão é determinada por aquelas perguntas, grita aquelas exigências que, como dizia Thomas Mann, "dão fogo e tensão a cada uma de nossas palavras, dão urgência a cada um de nossos problemas". Eu me sinto feliz por estar na companhia daqueles homens, porque um homem que cancela essa questão não é um homem "humano"!
(...) Analogamente, um dos maiores responsáveis por aquela pedagogia que formou tantas gerações nos Estados Unidos e que nos chega como uma onda de refluxo trinta anos depois, John Dewey, afirma:
"Abandonar a busca da realidade e do valor absoluto e imutável pode parecer um sacrifício, mas esta renuncia é a condição para empenhar‑se em uma vocação mais vital. A procura de valores que possam ser assegurados e compartilhados por todos, porque ligados à vida social, é uma procura na qual a filosofia encontrará, não rivais, mas auxiliares nos homens de boa vontade".
Mas abandonar a procura da realidade, do valor absoluto e imutável, é um sacrifício tão grande que por ele as pessoas podem destruir‑se. Será preciso, de fato, abandonar algo a que a natureza nos impulsiona: e isto é irracional, é desumano. É uma posição inadequada aos termos do problema. (...)
2. Substituição voluntarista das perguntas
Se se tolhe a energia estimulante da "experiência elementar", aquele "aguilhão que quase nos fere", se se tolhe a energia dinâmica que aquelas perguntas determinam, o movimento que imprimem à nossa humanidade; se forem esvaziadas de seu conteúdo as perguntas que consistem precisamente a expressão do mecanismo essencial, o motor da nossa personalidade, neste caso, em que poderá consistir a energia que nos faz agir?
A energia que nos faz agir reduz‑se a uma afirmação de si. O instrumento da afirmação de nós mesmos é a vontade: por isso, pode‑se tratar somente de uma energia, de uma afirmação voluntarista.
Esta afirmação pode partir de: 1) um gosto pela práxis pessoal; 2) um sentimento utópico; 3) um projeto social.
Não creio que seja apenas exemplificativa esta tríplice diferenciação. Dou alguns exemplos.
1) (...) Para além da grave intuição da solidão, o seu projeto de vida é uma práxis voluntarista.
2) Ou então esta energia voluntarista, como que cega, dá‑se a si mesma uma finalidade: não é atraída por uma meta reconhecida como objetiva, mas ela própria a escolhe. Bertrand Russell, profeta da cultura radical, escreve ainda no início do século:
"Eis que experimentei repentinamente algo como aquilo que as pessoas religiosas chamam 'conversão'. (...) Tornei‑me repentina e vivamente consciente da solidão na qual a maioria vive, e apaixonadamente desejei encontrar os meios para diminuir este trágico isolamento. (...) A vida do homem é uma longa marcha através da noite, rodeada de inimigos invisíveis, torturada pela deterioração e pela dor. (...) Um a um, enquanto caminham, os nossos companheiros de viagem desaparecem da nossa vista. (...) Muito breve é o tempo de que dispomos para ajudá‑los. Que o nosso tempo possa derramar luz solar sobre sua estrada, para reanimar a coragem que diminui, para incutir fé nas horas de desespero".
Qual fé? Fé em quê? É como alguém que enrijecesse os músculos como quando, crianças, queríamos ostentá-los, para poder enfrentar o tempo com um sentimento ideal, produto desse mesmo esforço. É como alguém que endurecesse em vão os músculos da vontade, ou como uma vela inflada pelo vento sem direção. (...)
3) Assim, chegamos ao projeto social. "Enrijeçam os músculos, encham o peito para realizar o projeto de uma nova sociedade". Um projeto feito por quem? "Por mim" ‑ diria Marx. "Por nós" ‑ diriam outros. É uma ênfase voluntarista que esquece o conteúdo mais agudo e objetivo ‑ o conteúdo pessoal ‑ do qual deriva também o interesse social. É uma redução que abstrai, um esquecimento impotente. Não é por acaso que a produção filosófica na União Soviética é quase exclusivamente dedicada à ética: um moralismo que tudo invade.
3. Negação prática das perguntas
Se a primeira atitude afirma que as perguntas não têm nenhum significado inteligível, agora se trata de uma posição puramente existencial, uma concepção vivida. As perguntas machucam, fazem mal. É preciso, então, considerar a vida de modo tal que não venham à luz.
O primeiro significado é bem geral, conhecido por todos, mesmo por nós: "não pense nisso!". Como na peça Henrique IV, de Shakespeare, quando Dora diz a Falstaff: "ó meu gracioso leitãozinho da feira de São Bartolomeu, quando cessarás de guerrear de dia e duelar de noite, e começarás a preparar o teu velho corpo para o céu?". Falstaff responde: "Quieta, minha boa Dora, não fales como uma cabeça de morto, não me recordes o meu fim". Esta é a suprema sabedoria de muitos.
Mas descobrimos uma outra conotação, por exemplo, numa pagina de Brandys: a sociedade cria interesses para obscurecer o grande interesse da pergunta essencial, a pergunta pelo significado. Mas não pode consegui‑lo. Então, a vida em sociedade é suplantada pelo álcool (ou, hoje, pela droga).
(...) No início da "beat generation", um dos slogans mais conhecidos era: "Devemos ir. Mas para onde vamos? Não sei, mas é preciso ir". Fazer para não sentir, para não aprofundar uma inquietude que, apesar de tudo, é manifesta.
Nesta atitude está uma conotação cética que sustenta a irresponsabilidade da maioria (porque o ceticismo sempre coincide com a fuga de um compromisso com a realidade nos seus fatores integrais). Em um livro apócrifo da Bíblia, o IV de Esdras, está escrito: "Que vantagem há em que seja prometida a esperança imperecível, se estamos aqui prostrados na infelicidade?" Por isso, é melhor deixar as perguntas últimas ‑ dever‑se‑ia concluir ‑ e nos esforçar para viver bem aqui!
Mas o aspecto mais nobre, mais acabado, mais fundamentado filosoficamente, a única alternativa digna ao empenho de uma vida sinceramente religiosa, isto é, verdadeiramente comprometida com aquelas perguntas, é o ideal estóico da ataraxia, da imperturbabilidade.
John Falstaff entregava‑se aos duelos, outros se entregam ao álcool ou às drogas, outros ainda à droga do ceticismo; mas há uma postura muito mais complexa e sutil. Não é possível responder àquelas perguntas; portanto, é preciso anestesiar‑se diante delas. Eis então um homem digno e sábio, que se exercita no domínio de si e constrói para si um equilíbrio totalmente racional, por ele imaginado e realizado, e este equilíbrio o torna firme, destemido diante de todos os acontecimentos.
Este é o ideal supremo ao qual chega a concepção não religiosa do homem, seja qual for a filosofia na qual se baseia.
(...) A resposta às perguntas da vida não está neste domínio, neste governo de si. (...)
[1] GIUSSANI, Luigi — “O senso religioso” — Capítulo VI, págs. 99 à 114 primeiro volume do Percurso (2a edição – Ed. Companhia Ilimitada)