sexta-feira, janeiro 11, 2008

Ser

SER

De um Ponto Coração a outro n° 35, junho de 2001



Desde a fundação da Obra, uma certeza sempre nos habitou: a necessidade de desenvolver mais nos Amigos das Crianças, a qualidade de ser, a intensidade da presença, do que a quantidade de ações ou mesmo da eficácia do compromisso. Esta concepção, às vezes foi resumida em termos inadequados e errôneos: « Em Pontos Coração não se faz nada, somos! » Somente algumas horas passadas no Ponto Coração Santa Mônica, de Dakar¹, onde as crianças não param de entrar e sair, ou no Ponto Coração Sagrada Família, de Simões Filho, são suficientes para provar que em qualidade de ócio nossos Amigos das Crianças não levariam o primeiro prêmio. E se esta prova não fosse suficiente, poderia ainda, para convencer-se da generosidade do seu despojamento, olhar seus rostos cansados à noite de cada dia. Parecem aqueles de mães de família numerosa, muito numerosa…

Se pode, então, estar tranqüilo: os Amigos das Crianças trabalham, correm de um lugar a outro, às vezes se esgotam nesta tarefa. Os apadrinhamentos que eles recebem não os encorajam em nada à preguiça! E é importante, porque a caridade não dorme. Ela é solícita, ela é viva, ela se encarna! Mas, aquilo que sempre nos interessou mais do que estes múltiplos trâmites que cumprem os nossos Amigos, do que suas visitas incessantes, do que os seus serviços de todo gênero, são as razões que levam os jovens a se darem. Ou ainda: é a qualidade do seu amor que torna suas obras realmente fecundas. Mesmo quando se compromete com as melhores intenções – em Ponto Coração, também no matrimônio, na vida religiosa, na empresa – rapidamente pode acontecer, que tomado pelo fluxo do dia, ir à deriva e não mais ver o ideal que nos colocou em movimento. Torna-se então, uma máquina que produz serviços… um ativista que calcula os resultados… um enviado que esquece Aquele que o enviou e as razões para as quais ele foi enviado… É preciso então, rapidamente, voltar à fonte para não desanimar e não pensar só na despedida. E para nós, a fonte, é sempre a oração que consiste em contemplar amorosamente o rosto de Jesus.

Quanto mais o Santo Padre envelhece, mais ele lembra aos cristãos esta verdade: aquilo que importa na obra de evangelização é mostrar o Cristo, mais do que falar d’Ele. E seu compromisso é cada vez para nós um vivo encorajamento a prosseguir e a desenvolver a pedagogia que escolhemos desde o início da Obra: « Na causa do Reino, não há tempo para olhar para trás, menos ainda para dar-se à preguiça. Há muito trabalho à nossa espera. […] Mas é muito importante que tudo o que com a ajuda de Deus nos propusemos, esteja profundamente radicado na contemplação e na oração.O nosso tempo é vivido em contínuo movimento que muitas vezes chega à agitação, caindo-se facilmente no risco de
“fazer por fazer”. Há que resistir a esta tentação, procurando o “ser” acima do “fazer”.² »

Através de tais afirmações, João Paulo II lembra ao homem que sua nobreza consiste em sua capacidade de contemplar e, ao cristão, que « nosso testemunho seria excessivamente pobre, se não fôssemos primeiro contemplativos do seu rosto [do Cristo] ³ ». É esta contemplação que lhe revela o sentido de cada acontecimento, a beleza de cada rosto, o preço de cada homem: « Se verdadeiramente partimos da contemplação de Cristo, devemos saber vê-Lo sobretudo no rosto daqueles com quem Ele mesmo Se quis identificar 4 » : os famintos, os sedentos, os estrangeiros, os doentes, os prisioneiros…

« Duc in altum » : isso é palavra de ordem que João Paulo II lança à Igreja na entrada do terceiro milênio. « Faz-te ao largo” » Mas de que largo se trata? O Papa o explica: trata-se « não somente de um compromisso missionário mais profundo, porém, mais ainda, de um compromisso contemplativo intenso 5 ». Indo assim ao largo, o ser tomará a supremacia sobre o fazer e seremos plenos de alegria!

1. Dakar : Capital do Senegal
2. João Paulo II, Novo millenio ineunte, nº 15




Nenhum comentário: