sexta-feira, janeiro 11, 2008

Como vivemos a encarnação do nosso amor?

De um Ponto Coração a outro n° 3, junho de 1993


Um amor tão freqüentemente nebuloso...


É enlouquecedor ver a que ponto as melhores intenções são com freqüência, desencarnadas. Sonhamos com a caridade perfeita, fazemos belos discursos, escrevemos artigos inflamados, queremos viver em comunidade, queremos acolher em nossa mesa todos os pobres da criação, dizemo-nos prontos a tudo aceitar… e a menor das ocasiões, o mais irrisório desagrado e, a mais tênue palha que percebemos no olho do nosso vizinho nos fazem cair. Desejamos, pois, parar tudo. Não mais escrever. Deixar a Igreja. Partir para longe… E, se apesar de tudo nós recomeçarmos, com freqüência, rapidamente caímos nos mesmos defeitos.

É que nos enganamos totalmente sobre o amor! Acreditamos excessivamente que ele se encontra a nível da imaginação, de grandes declarações, de proezas que os jornais relatam. Toda a vida de Jesus, toda a experiência dos santos nos dizem outra coisa. O amor não se escreve com sonhos, ele não nos transporta a idéias nebulosas, ele não faz perder de vista a realidade humana. Ele não se transmite inicialmente por palavras e idéias. O amor começa pelos gestos mais humildes da vida cotidiana: um bebê a quem lavamos e alimentamos, um pobre ao qual ajudamos a achar trabalho, um ancião a quem sustentamos…

O amor de Jesus: um amor verdadeiro porque um amor encarnado.
No dia do nascimento de Jesus, celebramos de uma maneira muito especial o mistério da encarnação. É cada passo que Jesus faz ao longo da sua peregrinação terrestre, que precisaria celebrar. Cada palavra que Ele pronuncia. Cada gesto que Ele realiza. Com efeito, quanto mais Ele avança para a « sua hora», na minha opinião, mais Ele manifesta a escolha extraordinária que Ele fez de vir ao nosso mundo para assumir nossa carne de pecador e permiti-la tornar-se uma carne gloriosa. Dito de outra forma, nada vai manifestar tanto a sua encarnação quanto a aceitação que Ele faz da sua paixão e da sua morte, a aceitação que Ele faz do seu corpo naquilo que há de mais terrível, ao saber que ele pode ser um terreno de sofrimentos e mesmo um cadáver.

No fim da última ceia e após ter lavado os pés dos seus apóstolos, Jesus diz: «Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais» (Jo.13, 15). Este exemplo que Jesus dá é um exemplo de amor. Jesus nos convida a reproduzir seu gesto do lava-pés e sem dúvida Ele nos convida a dar nossa vida como Ele dá seu corpo e seu sangue, e a alimentar aqueles que são nossos inimigos ou nossos traidores. Notem que Jesus nunca nos convida a reproduzir as suas palavras ou a dizer como Ele tem dito… Ele não nos convida senão a fazer aquilo que Ele mesmo fez: lavar os pés de todos e sobretudo dos mais pobres – ou seja, usar seu corpo para limpar o corpo do outro –, alimentar aqueles que têm fome – encontrar alimentos para manter o corpo do outro –, vestir aqueles que não têm nada – suprimir a vergonha do corpo nu –, cuidar dos doentes – contribuir para aliviar o sofrimento do corpo ferido –, enterrar os mortos – enterrar o corpo daquele que não tem mais vida… Assim, o amor começa por ser um corpo que se inclina sobre um corpo, um corpo que cuida de outro corpo…

Por fim, o amor se exprime em um corpo que se dá por inteiro para que outros tenham a vida. Assim, Jesus aceita sua paixão e morte como o testemunho supremo do amor. « Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida… » (Jo. 15, 13). Jesus não pode ir mais longe. E isto não poderia ser senão assim, pois o dom total do seu corpo está contido na lógica do amor de Deus. Esta pequena Criança do presépio, a qual o corpo não é senão amor, não poderia ser senão o crucificado do Gólgota. Este corpo dado a Jesus pelo Pai e por Maria não podia senão entregar-se num ato de amor supremo. Era preciso que Jesus estivesse sobre a cruz…

Um amor que passa pela carne
QUANDO, em Roma, eu era responsável por nossa casa de formação, eu tinha a preocupação de que a primeira experiência apostólica de nossos estudantes não consistisse em dar catecismo ou ser guia de escoteiros. Antes me parecia que durante seus primeiros anos de teologia meus irmãos deveriam cuidar do corpo dos pobres. Assim, eles iam ajudar as Missionárias da Caridade em sua casa de São Gregório. Assim que chegavam, sem passar longas horas conversando com as irmãs, era-lhes confiado o primeiro homem que chegava da rua. Era preciso, pois, cortar-lhe os cabelos – com tesouras ancestrais! –, fazer-lhe a barba – com um barbeador que já tinha sido usado mil vezes –, colocá-lo sob o chuveiro – que muitas vezes era frio –, vestir-lhe com roupas limpas, dar-lhe de comer… A missão não era fácil, e no entanto eu nunca vi a nossa pequena comunidade tão feliz quanto a tarde em que nossos irmãos voltavam depois de viver esta experiência : eles que teriam a missão de se ocupar do corpo do Cristo, acabavam de cuidar do corpo dos pobres… Em um sentido, sua vida sacerdotal já tinha começado…

Todos nós queremos revolucionar o mundo. Todos nós estamos tão cheios da guerra, da violência, da crueldade! Mas rapidamente nos desesperamos querendo atacar coisas que nos ultrapassam. Se fizéssemos como Jesus fez… Ele mudou o mundo descendo até o mais profundo do inferno, carregando sobre si a miséria humana, sendo carpinteiro na cidade escondida de Nazaré. Era possível imaginar tudo, menos que a salvação do mundo passaria por uma bacia e por uma toalha, pelo pão e pelo vinho dados àqueles que têm fome, duas vigas que serviriam de último suplício…

Os habitantes de uma favela onde estamos instalados me diziam em agradecimento, há algum tempo, que o bairro tinha mudado após a instalação do Ponto Coração. E eu me dizia: Como foi possível? Não fazemos mais do que brincar com as crianças, cuidar de seus « dodóis », dar uma xícara de café àqueles que passam, escutar aqueles que têm o coração pesado, caminhar pelas ruas e passar longas horas de intimidade com o Pai? Não temos grandes projetos de transformação social, não nos lançamos em nenhuma luta política… Tentamos muito humildemente encarnar nosso amor nas pequenas coisas da vida.

Finalmente, não tentamos fazer simplesmente aquilo que Jesus fez ?…

« O que é a verdade ?»

De um Ponto Coração a outro, n° 42, março de 2003



QUANDO Jesus houvera declarado o senso de sua missão:

« Para isso nasci
e para isto vim ao mundo:
para dar testemunho da verdade.
Quem é da verdade escuta minha voz » (Jô 18, 37),
Pilatos exclama de repente :
« O que é a verdade? »
Em seguida, ele sai e diz aos judeus não ter achado nenhum motivo de condenação nesse homem. Mas Jesus, em breve, será crucificado...

Pilatos escutou os grandes sacerdotes, ele escutou o povo, ele escutou o Cristo. Ele não sabe mais. Sua inteligência está perturbada. O que decidir ? Sem dúvida Jesus tem razão, mas outros falam mais alto... E pensar que cabe a ele, Pilatos, julgar e julgar rápido: logo será a Páscoa!

Pilatos está diante de Jesus. Ele escutou Jesus. Ele viu Jesus. No entanto, ele não sabe reconhecer o Inocente. Ou não tem força para reconhecê-Lo. Nos conflitos, nas guerras, nas situações polêmicas, nós ficamos diante de muitas mentiras, enganos, falsificações ou omissões, como determinar a verdade ?

Eu escuto o esposo que justifica seus direitos. Eu escuto a esposa que chora seu sofrimento. E eu me pergunto : « Onde está a verdade ? »

Eu recebo o dono de uma empresa que me dá as razões de suas decisões. Eu recebo seus empregados que me dizem suas dificuldades para viver. E eu me pergunto : « Quem tem razão ? »

Eu assisto a televisão americana. Eu assisto algumas imagens dos canais iraquianos. E eu me pergunto : « Quais são as imagens verdadeiras ? »

Minha inteligência está sofrendo. Com freqüência. E, no entanto, às vezes me cabe fazer um julgamento e fazê-lo rápido ! Tomar decisões e tomá-las rápido ! Eu tremo. Eu sou, então, mais mendigo do que nunca. E eu me digo : « Felizes aqueles que não têm o que julgar ! E por que os que não estão aptos o fazem com tanta solicitude ? Quando não sabem nada além de algumas fofocas. ». Eles se arriscam tão facilmente por estarem errados! E por ferirem tão fortemente ! « Aquele que não julga não será julgado ! »

De minha parte, muitas vezes sou a favor daquele que se defende menos, admirado pelo fato de que em geral nós apoiamos quem fala mais forte, quem não cessa de se justificar. O lobo grita mais alto do que o cordeiro. O culpado freqüentemente se defende mais do que o inocente. O culpado quer salvar sua vida... e o inocente morre para que triunfe a verdade... E a verdade acaba triunfando. Após muito sangue... Após muitos sofrimentos... Um dia saberemos. Quem dos dois, Estados Unidos ou Iraque... este ou aquele...

Nesta terra como é difícil saber a verdade de cada situação, de cada acontecimento, de cada conflito ! Nós somos esquartejados, crucificados. Esquartejados, mas não aniquilados... crucificados, mas não desesperados... Pois conhecemos a verdade única. Ela se encarnou. Ela tem um rosto. Um rosto de misericórdia. Um rosto de humildade. O rosto do Cristo. Meu rochedo. A luz que me ajuda a compreender o dia de hoje. O sentido de minha existência. Ela tem um rosto. Aquele da Igreja que hoje me diz: « a guerra jamais resolverá os conflitos ». Então, eu busco a paz...

Falemos de êxito !

De um Ponto Coração a outro no 08, setembro 1994



Proprietários dos seus filhos?… ou depositários de um profundo mistério!
Não há uma mãe que,descobrindo o rosto do seu bebê,
olhe-o, maravilhada,
e comece a imaginar o que o seu filho se tornará .
Ele será grande,ele será bonito,ele será amado por todos…
Ela sonha para ele a inteligência,a riqueza, as honras…
E não se pode imaginar que seja de outra maneira.
Uma amiga próxima à minha família,desde que seu filho pôde se manter de pé,
ela já o havia revestido com o uniforme de politécnico.
E Maria, o que ela sonhavaao descobrir o rosto do seu filho Jesus?
Os pequeninos crescem…
Os pais têm seus desejos e sonhos.
As crianças têm sua liberdade e seus dons.
Ninguém recusa a seu pequerruchoalgum curso particular – exceto, talvez, aquele de religião –,alguma lição de piano,uma temporada no estrangeiro.
É preciso que ele progrida na vida e que saiba tudo!
Pode-se esquecer que uma planta morretanto por ser regada demais
ou de menos!
Todos os pais falam daquele filho que causa muita satisfação;
porém, passam sob o silêncio os outros menos dotados,mesmo se, alguns se ocupam bastante deles,para que enfim eles «decolem» !
Pobres pais !
Ao querer demais que seus filhos tenham sucesso na vida,
eles os impedem de seguir sua vida!
Conheço tantos artistas arrasados e feridos para semprepor que seus pais não acreditaram em seus dons: « Faça, antes, seus estudos de comércio, você pintará durante as férias! »
Conheço tantas vocações desviadas, por que não foi respondida a tempo:« Nunca se sabe, talvez você não tenha escutado bem o apelo de Deus…Antes, assegure o seu futuro! »
Conheço tantas donas-de-casa desinteressadas
porque os pais recusaram
o primeiro amor do seu filho:« Esta moça não é para você: ela não tem nada na vida.Procure uma outra! »

Quem se responsabilizará por estas verdadeiras derrotas?
A educação não é uma questãode desenvolvimento dos músculos,de minhoca¹,de lavagem cerebral.
A educação é um frutodo amor,ou seja, um frutodo respeito à liberdade.
Olhemos como Deus educa o seu povo!
Olhemos como o Espírito, a partir de dentro,forma cada um de nós!
Isto difere tanto dos nossos hábitos!
Deus deixa os obstáculos,permite as provas,aceita as recusas.
Deus está sempre presente,mesmo que pareça sempre ausente.
Deus conduz os seus ao deserto e não a Saint-Tropez¹.
Deus não aprisiona,não quebra,nem mesmo impede a queda.
Deus não é nem mãe super protetora,nem pai ditador,nem educador liberal.
E no entanto, Deus ama.
Ele é verdadeiro Pai.
Ele é verdadeira Mãe.
Muitos pais amam muito seus filhos, eu bem sei,mas eles os amam mal.
Ele os amamcomo se fossem seus proprietários.
Eles os amam superficialmente.
Eles os amam– perdoem-me, mas eu vi bastante –como se eles fossem seus pequenos cães para adestrar,seus pequenos gatos à engordar.
Eles os amam lhes sufocandoe depois se espantam que a vida neles seja apagada.
Eles os amam colocando neles um cordão nas patasou uma coleira no pescoço.
Eles os amam colando um rótulo em sua testa.
Eles os amam nunca conversando com elesou os deixando fazer tudo…
Como é difícil, pobres pais,amar verdadeiramente seus filhos!
Deus ama muito seus filhose os ama bem.
E então, educar?
Educar consiste em se aliar
ao amor misericordioso do Pai
à cada um de seus filhos.
Educar consiste em contemplar
o rosto de Jesus
em cada um de seus filhos.
Educar consiste em escutar
o murmúrio do Espírito
em cada um de seus filhos.
Educar não é uma técnica, nem mesmo uma arte,
é uma obra teologal.
È um ato constante de fé, de esperança e de caridade.
Educar não pode ser a obra do homem só,
é a obra do homemque se faz instrumento do desígnio de Deus.
Progredir sua vida, à medida das Bem-aventuranças!
Às vezes, eu encontro sorrisos de mães que me dão medo,sorrisos satisfeitos,sorrisos sem lágrimas.
Logo, eu os interpreto como sorrisos de mãescujo « filhos progrediram».
Eles são bem casados,eles têm uma boa situação,eles têm uma casa no campo,eles são bem vistos por todos,eles gozam de uma boa saúde,e seus filhos são inteligentes.
Verdadeiramente, isto me inquieta:
é como se nesta felicidade faltasse a verdadeira felicidade:aquela das Bem-aventuranças!
Eu penso, pois, no sorriso do Paique contempla seu Filho bem-amado.Seu único.
O que fez Ele de sua vida, Este aí?
Ele nasceu em um estábulo,
Ele escapou do furor de um rei loucofugindo no dorso de um burro, até o Egito.
Em seu retorno, Ele viveu em uma pequena vila de provínciaque tinha uma triste reputação,
Ele não escolheu as faculdades e os cursinhos pré-vestibular
preferiu seguir a profissão do seu pai,
Ele interrompeu sua carreirana idade em que começa ser conhecido
Ele mendigou em cidades e povoadose não tinha sequer uma pedra onde repousar a sua cabeça,
Ele escolheu amigosque não compreendiam grande-coisa em seus discursose que acabaram quase todos por abandoná-lo ou traí-lo,
Ele foi submisso à flagelação,à coroação de espinhos,aos insultos de todos,
Ele se fez crucificar entre dois bandidos…
Quem não se envergonharia de ter um tal filho?
Quem não teria ficado envergonhado com sua conduta?
Quem ousaria reconhecê-lo como o fruto de suas entranhas?
O Pai sabe tudo isto da sua vida e ainda muito mais.
Portanto, Ele o reconhece e diz a todos: « Este é o meu filho bem-amado a quem eu tenho dado todo o meu amor. Escutai-o! »
Ninguém progrediu sua vida como Ele.
Ele amou até o fim.
Ele salvou o mundo.
São poucos os que julgam suas vidas ou a vida dos outros por tais critérios,mesmo em pleno cristianismo, em plena Igreja!
Se julga sobre a saúde, o dinheiro, os diplomas ou a reputação.
Acredita-se abençoado por Deusquando se é rico, santo e forte.
Acredita-se amaldiçoado por Deusquando se é pobre, deficiente ou ignorante.
É desconhecer demais o bom Deus!

O único critério de êxito
Que Deus dá aos homens,
é o amor.
O protótipo de toda vida humana,
é Jesus.
Deus não faz senão uma única pergunta aos homenspara julgar a sua existência: «Tu me amas? Tu me amas verdadeiramente? Tu me amas mais que estes? »
Os pais temem que seus filhosdoem sua vida e subam na cruz : « Para trás, Satanás, tu és para mim um escândalo! »
Os pais rezam para as vocações,mas desejam que Deus se sirva dos outros!
Os pais têm medo que seus filhos se tornem santos,– é possível compreendê-los um pouco:a vida dos santos não tem nada de muito glorioso! –
Ela assemelha-se demais àquela do Filho do Homem.
Em sua grande maioria, os amigos de Deus vivem na miséria,eles sofrem angústias e toda espécie de doença,eles são caluniados, arrastados na lama,eles têm uma saúde deplorável,eles têm que trabalhar como burros de carga e jamais podem ter um tempo de descanso,eles conhecem uma longa agonia e morrem abandonados por todos, mesmo dando sua vida por todos
Quem queria para si uma tal vida?
Quem queria para os seus amigos uma tal vida?Aquele que ama o Senhor!
Escutemos!
Educar uma criança,
não é fazer tudo para que ela seja repleta de diplomas– que valor eles terão no céu? –,
é tudo fazer para que ela encontre Deus,para que ela viva na intimidade do seu Pai,para que ela diga « sim» quando Deus lhe pede a sua vida.
« O centro da vida, não é progredir, mas reconhecer Alguém. Não é um êxito, qualquer que seja mas o reconhecimento de uma Presença: tal é o problema cristão em relação àquele de toda filosofia e de toda religião. […] Nossa salvação, é uma Presença a reconhecer: não é algo a fazer, mas um amor ². »
Portanto, não tenhamos mais medo!
Deus chama meu filho como missionário,Ele o protegerá.Ele estará com ele.
Deus não abandona os seus!
Educar seus filhos,é lhes permitir encontrar o Mistério.
Educar seus filhos,é nos permitir reencontrá-los no Reino.
Progredir sua vida,é dá-la à Jesus!

_____________________________

1 Saint Tropez – Cidade turística da Costa Azul francesa.
2 Dom Giussani,Reconhecer uma presença.

Ser

SER

De um Ponto Coração a outro n° 35, junho de 2001



Desde a fundação da Obra, uma certeza sempre nos habitou: a necessidade de desenvolver mais nos Amigos das Crianças, a qualidade de ser, a intensidade da presença, do que a quantidade de ações ou mesmo da eficácia do compromisso. Esta concepção, às vezes foi resumida em termos inadequados e errôneos: « Em Pontos Coração não se faz nada, somos! » Somente algumas horas passadas no Ponto Coração Santa Mônica, de Dakar¹, onde as crianças não param de entrar e sair, ou no Ponto Coração Sagrada Família, de Simões Filho, são suficientes para provar que em qualidade de ócio nossos Amigos das Crianças não levariam o primeiro prêmio. E se esta prova não fosse suficiente, poderia ainda, para convencer-se da generosidade do seu despojamento, olhar seus rostos cansados à noite de cada dia. Parecem aqueles de mães de família numerosa, muito numerosa…

Se pode, então, estar tranqüilo: os Amigos das Crianças trabalham, correm de um lugar a outro, às vezes se esgotam nesta tarefa. Os apadrinhamentos que eles recebem não os encorajam em nada à preguiça! E é importante, porque a caridade não dorme. Ela é solícita, ela é viva, ela se encarna! Mas, aquilo que sempre nos interessou mais do que estes múltiplos trâmites que cumprem os nossos Amigos, do que suas visitas incessantes, do que os seus serviços de todo gênero, são as razões que levam os jovens a se darem. Ou ainda: é a qualidade do seu amor que torna suas obras realmente fecundas. Mesmo quando se compromete com as melhores intenções – em Ponto Coração, também no matrimônio, na vida religiosa, na empresa – rapidamente pode acontecer, que tomado pelo fluxo do dia, ir à deriva e não mais ver o ideal que nos colocou em movimento. Torna-se então, uma máquina que produz serviços… um ativista que calcula os resultados… um enviado que esquece Aquele que o enviou e as razões para as quais ele foi enviado… É preciso então, rapidamente, voltar à fonte para não desanimar e não pensar só na despedida. E para nós, a fonte, é sempre a oração que consiste em contemplar amorosamente o rosto de Jesus.

Quanto mais o Santo Padre envelhece, mais ele lembra aos cristãos esta verdade: aquilo que importa na obra de evangelização é mostrar o Cristo, mais do que falar d’Ele. E seu compromisso é cada vez para nós um vivo encorajamento a prosseguir e a desenvolver a pedagogia que escolhemos desde o início da Obra: « Na causa do Reino, não há tempo para olhar para trás, menos ainda para dar-se à preguiça. Há muito trabalho à nossa espera. […] Mas é muito importante que tudo o que com a ajuda de Deus nos propusemos, esteja profundamente radicado na contemplação e na oração.O nosso tempo é vivido em contínuo movimento que muitas vezes chega à agitação, caindo-se facilmente no risco de
“fazer por fazer”. Há que resistir a esta tentação, procurando o “ser” acima do “fazer”.² »

Através de tais afirmações, João Paulo II lembra ao homem que sua nobreza consiste em sua capacidade de contemplar e, ao cristão, que « nosso testemunho seria excessivamente pobre, se não fôssemos primeiro contemplativos do seu rosto [do Cristo] ³ ». É esta contemplação que lhe revela o sentido de cada acontecimento, a beleza de cada rosto, o preço de cada homem: « Se verdadeiramente partimos da contemplação de Cristo, devemos saber vê-Lo sobretudo no rosto daqueles com quem Ele mesmo Se quis identificar 4 » : os famintos, os sedentos, os estrangeiros, os doentes, os prisioneiros…

« Duc in altum » : isso é palavra de ordem que João Paulo II lança à Igreja na entrada do terceiro milênio. « Faz-te ao largo” » Mas de que largo se trata? O Papa o explica: trata-se « não somente de um compromisso missionário mais profundo, porém, mais ainda, de um compromisso contemplativo intenso 5 ». Indo assim ao largo, o ser tomará a supremacia sobre o fazer e seremos plenos de alegria!

1. Dakar : Capital do Senegal
2. João Paulo II, Novo millenio ineunte, nº 15




sexta-feira, agosto 31, 2007

UMA VOLTA AO PORQUE

1.2 Esvaziamento ou redução da pergunta



QUINTO ENCONTRO


ATITUDES NÃO‑RAZOÁVEIS DIANTE DA
INTERROGAÇÃO ÚLTIMA: ESVAZIAMENTO DA PERGUNTA
[1]


(...) Passo a enumerar seis atitudes, não por puro amor à enumeração, mas porque, de um modo ou de outro, para todos nós estas atitudes são tentações, quando não práticas já vividas. "Nihil humani a me alienum puto" (Nada do que é humano considero estranho a mim): não acredito que não possa acontecer também comigo uma coisa que tenha acontecido a outro homem; seja como for, es­tas atitudes definem estatisticamente a postura, pelo menos prática, da maioria.


1. Negação teórica das perguntas

Antes de tudo, chamo negação teórica das perguntas o fato de que aquelas perguntas, aquelas interrogações, são definidas como "sem sentido". As frases que expri­mem tais perguntas teriam uma consistência apenas formal.

(...) "As perguntas nas quais se condensa a confusa e indiscriminada veleidade reflexiva dos adolescentes, a sua primitiva e sumária filosofia (o que é a vida, para que ser­ve, qual é o fim do universo, por que existe a dor), aque­las perguntas que o filósofo verdadeiro e adulto afasta de si como absurdas e carentes de um autêntico valor especulativo, e tais que não comportam resposta alguma nem possibilidade de desenvolvimento, estas mesmas perguntas se tornaram a obsessão de Leopardi, o conteúdo exclusivo de sua filosofia".
Ah, entendi! ‑ disse aos meus alunos ‑ Homero, Sófocles, Virgílio, Dante, Dostoievsky e Beethoven seriam adolescentes, porque toda a sua expressão é determinada por aquelas perguntas, grita aquelas exigências que, co­mo dizia Thomas Mann, "dão fogo e tensão a cada uma de nossas palavras, dão urgência a cada um de nossos problemas". Eu me sinto feliz por estar na companhia daqueles homens, porque um homem que cancela essa questão não é um homem "humano"!

(...) Analogamente, um dos maiores responsáveis por aque­la pedagogia que formou tantas gerações nos Estados Unidos e que nos chega como uma onda de refluxo trinta anos depois, John Dewey, afirma:
"Abandonar a busca da realidade e do valor absolu­to e imutável pode parecer um sacrifício, mas esta renuncia é a condição para empenhar‑se em uma vocação mais vital. A procura de valores que possam ser assegurados e compartilhados por todos, porque ligados à vida social, é uma procura na qual a filosofia encontrará, não rivais, mas auxiliares nos homens de boa vontade".
Mas abandonar a procura da realidade, do valor absoluto e imutável, é um sacrifício tão grande que por ele as pessoas podem destruir‑se. Será preciso, de fato, abando­nar algo a que a natureza nos impulsiona: e isto é irracio­nal, é desumano. É uma posição inadequada aos termos do problema. (...)


2. Substituição voluntarista das perguntas

Se se tolhe a energia estimulante da "experiência ele­mentar", aquele "aguilhão que quase nos fere", se se to­lhe a energia dinâmica que aquelas perguntas determinam, o movimento que imprimem à nossa humanidade; se forem esvaziadas de seu conteúdo as perguntas que consistem precisamente a expressão do mecanismo essencial, o mo­tor da nossa personalidade, neste caso, em que poderá con­sistir a energia que nos faz agir?
A energia que nos faz agir reduz‑se a uma afirmação de si. O instrumento da afirmação de nós mesmos é a von­tade: por isso, pode‑se tratar somente de uma energia, de uma afirmação voluntarista.
Esta afirmação pode partir de: 1) um gosto pela prá­xis pessoal; 2) um sentimento utópico; 3) um projeto social.
Não creio que seja apenas exemplificativa esta trípli­ce diferenciação. Dou alguns exemplos.

1) (...) Para além da grave intuição da solidão, o seu proje­to de vida é uma práxis voluntarista.
2) Ou então esta energia voluntarista, como que cega, dá‑se a si mesma uma finalidade: não é atraída por uma meta reconhecida como objetiva, mas ela própria a esco­lhe. Bertrand Russell, profeta da cultura radical, escreve ainda no início do século:
"Eis que experimentei repentinamente algo como aqui­lo que as pessoas religiosas chamam 'conversão'. (...) Tor­nei‑me repentina e vivamente consciente da solidão na qual a maioria vive, e apaixonadamente desejei encontrar os meios para diminuir este trágico isolamento. (...) A vi­da do homem é uma longa marcha através da noite, rode­ada de inimigos invisíveis, torturada pela deterioração e pela dor. (...) Um a um, enquanto caminham, os nossos companheiros de viagem desaparecem da nossa vista. (...) Muito breve é o tempo de que dispomos para ajudá‑los. Que o nosso tempo possa derramar luz solar sobre sua es­trada, para reanimar a coragem que diminui, para incutir fé nas horas de desespero".
Qual fé? Fé em quê? É como alguém que enrijecesse os músculos como quando, crianças, queríamos ostentá­-los, para poder enfrentar o tempo com um sentimento ideal, produto desse mesmo esforço. É como alguém que endurecesse em vão os músculos da vontade, ou como uma vela inflada pelo vento sem direção. (...)

3) Assim, chegamos ao projeto social. "Enrijeçam os músculos, encham o peito para realizar o projeto de uma nova sociedade". Um projeto feito por quem? "Por mim" ‑ diria Marx. "Por nós" ‑ diriam outros. É uma ênfa­se voluntarista que esquece o conteúdo mais agudo e objetivo ‑ o conteúdo pessoal ‑ do qual deriva também o interesse social. É uma redução que abstrai, um esquecimento impotente. Não é por acaso que a produção filosó­fica na União Soviética é quase exclusivamente dedicada à ética: um moralismo que tudo invade.


3. Negação prática das perguntas

Se a primeira atitude afirma que as perguntas não têm nenhum significado inteligível, agora se trata de uma posi­ção puramente existencial, uma concepção vivida. As per­guntas machucam, fazem mal. É preciso, então, conside­rar a vida de modo tal que não venham à luz.
O primeiro significado é bem geral, conhecido por to­dos, mesmo por nós: "não pense nisso!". Como na peça Henrique IV, de Shakespeare, quando Dora diz a Falstaff: "ó meu gracioso leitãozinho da feira de São Bartolomeu, quando cessarás de guerrear de dia e duelar de noite, e co­meçarás a preparar o teu velho corpo para o céu?". Fals­taff responde: "Quieta, minha boa Dora, não fales como uma cabeça de morto, não me recordes o meu fim". Es­ta é a suprema sabedoria de muitos.
Mas descobrimos uma outra conotação, por exemplo, numa pagina de Brandys: a sociedade cria interesses para obscurecer o grande interesse da pergunta essencial, a per­gunta pelo significado. Mas não pode consegui‑lo. Então, a vida em sociedade é suplantada pelo álcool (ou, hoje, pela droga).
(...) No início da "beat generation", um dos slogans mais conhecidos era: "Devemos ir. Mas para onde vamos? Não sei, mas é preciso ir". Fazer para não sentir, para não aprofundar uma inquietude que, apesar de tudo, é manifesta.
Nesta atitude está uma conotação cética que sustenta a irresponsabilidade da maioria (porque o ceticismo sempre coincide com a fuga de um compromisso com a realidade nos seus fatores integrais). Em um livro apócrifo da Bíblia, o IV de Esdras, está escrito: "Que vantagem há em que seja prometida a esperança imperecível, se estamos aqui prostrados na infelicidade?" Por isso, é melhor deixar as perguntas últimas ‑ dever‑se‑ia concluir ‑ e nos esforçar para viver bem aqui!
Mas o aspecto mais nobre, mais acabado, mais fundamentado filosoficamente, a única alternativa digna ao empenho de uma vida sinceramente religiosa, isto é, verdadeiramente comprometida com aquelas perguntas, é o ideal estóico da ataraxia, da imperturbabilidade.
John Falstaff entregava‑se aos duelos, outros se entregam ao álcool ou às drogas, outros ainda à droga do ceticismo; mas há uma postura muito mais complexa e sutil. Não é possível responder àquelas perguntas; portanto, é preciso anestesiar‑se diante delas. Eis então um homem digno e sábio, que se exercita no domínio de si e constrói para si um equilíbrio totalmente racional, por ele imaginado e realizado, e este equilíbrio o torna firme, destemido diante de todos os acontecimentos.
Este é o ideal supremo ao qual chega a concepção não religiosa do homem, seja qual for a filosofia na qual se baseia.
(...) A resposta às perguntas da vida não está neste domínio, neste governo de si. (...)

[1] GIUSSANI, Luigi — “O senso religioso” — Capítulo VI, págs. 99 à 114 primeiro volume do Percurso (2a edição – Ed. Companhia Ilimitada)

quarta-feira, agosto 08, 2007

PAPA NO BRASIL


Encontro com os jovens no Pacaembu 10.05.2007

Texto original

Queridos jovens! Queridos amigos e amigas!

«Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres [...] Depois, vem e segue-me» (Mt 19,21).

1. Desejei ardentemente encontrar-me convosco nesta minha primeira viagem à América Latina. Vim para abrir a
V Conferência do Episcopado Latino-americano que, por meu desejo, vai realizar-se em Aparecida, aqui no Brasil, no Santuário de Nossa Senhora. Ela nos coloca aos pés de Jesus para aprendermos suas lições sobre o Reino e impulsionar-nos a ser seus missionários, para que os povos deste “Continente da Esperança” tenham, n’Ele, vida plena.
Os vossos Bispos do Brasil, na sua Assembléia Geral do ano passado, refletiram sobre o tema da evangelização da juventude e colocaram em vossas mãos um documento. Pediram que fosse acolhido e aperfeiçoado por vós durante todo o ano. Nesta última Assembléia retomaram o assunto, enriquecido com vossa colaboração, e desejam que as reflexões feitas e as orientações propostas sirvam como incentivo e farol para vossa caminhada. As palavras do Arcebispo de São Paulo e do encarregado da Pastoral da Juventude, as quais agradeço, bem atestam o espírito que move a todos vocês.
Ontem pela tarde, ao sobrevoar o território brasileiro, pensava já neste nosso encontro no Estádio do Pacaembu, com o desejo de dar um grande abraço bem brasileiro a todos vós, e manifestar os sentimentos que levo no íntimo do coração e que, bem a propósito, o Evangelho de hoje nos quis indicar.
Sempre experimentei uma alegria muito especial nestes encontros. Lembro-me particularmente da Vigésima Jornada Mundial da Juventude, que tive a ocasião de presidir há dois anos atrás na Alemanha. Alguns dos que estão aqui também lá estiveram! É uma lembrança comovedora, pelos abundantes frutos da graça enviados pelo Senhor. E não resta a menor dúvida que o primeiro fruto, dentre muitos, que pude constatar foi o da fraternidade exemplar havida entre todos, como demonstração evidente da perene vitalidade da Igreja por todo o mundo.

2. Pois bem, caros amigos, estou certo de que hoje se renovam as mesmas impressões daquele meu encontro na Alemanha. Em 1991, o Servo de Deus o Papa João Paulo II, de venerada memória, dizia, na sua passagem pelo Mato Grosso, que os “jovens são os primeiros protagonistas do terceiro milênio [...] são vocês que vão traçar os rumos desta nova etapa da humanidade” (Discurso 16/10/1991). Hoje, sinto-me movido a fazer-lhes idêntica observação.
O Senhor aprecia, sem dúvida, vossa vivência cristã nas numerosas comunidades paroquiais e nas pequenas comunidades eclesiais, nas Universidades, Colégios e Escolas e, especialmente, nas ruas e nos ambientes de trabalho das cidades e dos campos. Trata-se, porém, de ir adiante. Nunca podemos dizer basta, pois a caridade de Deus é infinita e o Senhor nos pede, ou melhor, nos exige dilatar nossos corações para que neles caiba sempre mais amor, mais bondade, mais
compreensão pelos nossos semelhantes e pelos problemas que envolvem não só a convivência humana, mas também a efetiva preservação e conservação da natureza, da qual todos fazem parte. “Nossos bosques têm mais vida”: não deixeis que se apague esta chama de esperança que o vosso Hino Nacional põe em vossos lábios. A devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana de suas populações requerem um maior compromisso nos mais diversos espaços de ação que a sociedade vem solicitando.

3. Hoje quero convosco refletir sobre o texto de São Mateus (19, 16-22), que acabamos de ouvir. Fala de um jovem.
Ele veio correndo ao encontro de Jesus. Merece destaque a sua ânsia. Neste jovem vejo a todos vós, jovens do Brasil e da América Latina. Viestes correndo de diversas regiões deste Continente para nosso encontro. Quereis ouvir, pela voz do Papa, as palavras do próprio Jesus.
Tendes uma pergunta crucial, referida no Evangelho, a Lhe fazer. É a mesma do jovem que veio correndo ao encontro com Jesus: o que fazer para alcançar a vida eterna? Gostaria de aprofundar convosco esta pergunta. Trata-se da vida. A vida que, em vós, é exuberante e bela. O que fazer dela? Como vivê-la plenamente?
Logo entendemos, na formulação da própria pergunta, que não basta o aqui e agora, ou seja, nós não conseguimos delimitar nossa vida ao espaço e ao tempo, por mais que pretendamos estender seus horizontes. A vida os transcende. Em outras palavras, queremos viver e não morrer. Sentimos que algo nos revela que a vida é eterna e que é necessário empenhar-se para que isto aconteça. Em outras palavras, ela está em nossas mãos e depende, de algum modo, da nossa decisão.
A pergunta do Evangelho não contempla apenas o futuro. Não trata apenas de uma questão sobre o que acontecerá após a morte. Há, ao contrário, um compromisso com o presente, aqui e agora, que deve garantir autenticidade e conseqüentemente o futuro. Numa palavra, a pergunta questiona o sentido da vida. Pode por isso ser formulada assim: que devo fazer para que minha vida tenha sentido? Ou seja: como devo viver para colher plenamente os frutos da vida? Ou
ainda: que devo fazer para que minha vida não transcorra inutilmente?
Jesus é o único capaz de nos dar uma resposta, porque é o único que nos pode garantir vida eterna. Por isso também é o único que consegue mostrar o sentido da vida presente e dar-lhe um conteúdo de plenitude.

4. Antes, porém, de dar sua resposta, Jesus questiona a pergunta do jovem num aspecto muito importante: por que me chamas de bom? Nesta pergunta se encontra a chave da resposta. Aquele jovem percebeu que Jesus é bom e que é mestre. Um mestre que não engana. Nós estamos aqui porque temos esta mesma convicção: Jesus é bom. Podemos não saber dar toda a razão desta percepção, mas é certo que ela nos aproxima dele e nos abre ao seu ensinamento: um mestre bom.
Quem reconhece o bem é sinal que ama. E quem ama, na feliz expressão de São João, conhece Deus (cf.1Jo 4,7). O jovem do Evangelho teve uma percepção de Deus em Jesus Cristo.
Jesus nos garante que só Deus é bom. Estar aberto à bondade significa acolher Deus. Assim Ele nos convida a ver Deus em todas as coisas e em todos os acontecimentos, mesmo lá onde a maioria só vê a ausência de Deus. Vendo a beleza das criaturas e constatando a bondade presente em todas elas, é impossível não crer em Deus e não fazer uma experiência de sua presença salvífica e consoladora. Se nós conseguíssemos ver todo o bem que existe no mundo e, ainda mais, experimentar o bem que provém do próprio Deus, não cessaríamos jamais de nos aproximar dele, de O louvar e Lhe agradecer. Ele continuamente nos enche de alegria e de bens. Sua alegria é nossa força.
Mas nós não conhecemos senão de forma parcial. Para perceber o bem necessitamos de auxílios, que a Igreja nos proporciona em muitas oportunidades, principalmente pela catequese. Jesus mesmo explicita o que é bom para nós, dando-nos sua primeira catequese. «Se queres entrar na vida, observa os mandamentos» (Mt 19,17). Ele parte do conhecimento que o jovem já obteve certamente de sua família e da Sinagoga: de fato, ele conhece os mandamentos. Eles conduzem à vida, o que equivale a dizer que eles nos garantem autenticidade. São as grandes balizas a nos apontarem o caminho certo. Quem observa os mandamentos está no caminho de Deus.
Não basta conhecê-los. O testemunho vale mais que a ciência, ou seja, é a própria ciência aplicada. Não são impostos de fora, nem diminuem nossa liberdade. Pelo contrário: constituem impulsos internos vigorosos, que nos levam a agir nesta direção. Na sua base está a graça e a natureza, que não nos deixam parados. Precisamos caminhar. Somos impelidos a fazer algo para nos realizarmos a nós mesmos. Realizar-se, através da ação, na verdade, é tornar-se real. Nós somos, em grande parte, a partir de nossa juventude, o que nós queremos ser. Somos, por assim dizer, obra de nossas mãos.

5. Nesta altura volto-me, de novo, para vós, jovens, querendo ouvir também de vós a resposta do jovem do Evangelho: tudo isto tenho observado desde a minha juventude. O jovem do Evangelho era bom. Observava os mandamentos. Estava pois no caminho de Deus. Por isso Jesus fitou-o com amor. Ao reconhecer que Jesus era bom, testemunhou que também ele era bom. Tinha uma experiência da bondade e por isso, de Deus. E vós, jovens do Brasil e da américa Latina? Já descobristes o que é bom? Seguis os mandamentos do Senhor? Descobristes que este é o verdadeiro e único caminho para a felicidade?
Os anos que vós estais vivendo são os anos que preparam o vosso futuro. O “amanhã” depende muito de como estais vivendo o “hoje” da juventude. Diante dos olhos, meus queridos jovens, tendes uma vida que desejamos seja longa; mas é uma só, é única: não a deixeis passar em vão, não a desperdiceis. Vivei com entusiasmo, com alegria, mas, sobretudo, com senso de responsabilidade.
Muitas vezes sentimos trepidar nossos corações de pastores, constatando a situação de nosso tempo. Ouvimos falar dos medos da juventude de hoje. Revelam-nos um enorme déficit de esperança: medo de morrer, num momento em que a vida está desabrochando e procura encontrar o próprio caminho da realização; medo de sobrar, por não descobrir o sentido da vida; e medo de ficar desconectado diante da estonteante rapidez dos acontecimentos e das comunicações.
Registramos o alto índice de mortes entre os jovens, a ameaça da violência, a deplorável proliferação das drogas que sacode até a raiz mais profunda a juventude de hoje. Fala-se por isso, seguidamente, de uma juventude perdida.
Mas olhando para vós, jovens aqui presentes, que irradiais alegria e entusiasmo, assumo o olhar de Jesus: um olhar de amor e confiança, na certeza de que vós encontrastes o verdadeiro caminho. Sois jovens da Igreja. Por isso Eu vos envio para a grande missão de evangelizar os jovens e as jovens, que andam por este mundo errantes, como ovelhas sem pastor.

Sede os apóstolos dos jovens. Convidai-os para que venham convosco, façam a mesma experiência de fé, de esperança e de amor; encontrem-se com Jesus, para se sentirem realmente amados, acolhidos, com plena possibilidade de realizar-se. Que também eles e elas descubram os caminhos seguros dos Mandamentos e por eles cheguem até Deus.
Podeis ser protagonistas de uma sociedade nova se procurais pôr em prática uma vivência real inspirada nos valores morais universais, mas também um empenho pessoal de formação humana e espiritual de vital importância. Um homem ou uma mulher despreparados para os desafios reais de uma correta interpretação da vida cristã do seu meio ambiente será presa fácil a todos os assaltos do materialismo e do laicismo, sempre mais atuantes em todos os níveis.
Sede homens e mulheres livres e responsáveis; fazei da família um foco irradiador de paz e de alegria; sede promotores da vida, do início ao seu natural declínio; amparai os anciãos, pois eles merecem respeito e admiração pelo bem que vos fizeram. O Papa também espera que os jovens procurem santificar seu trabalho, fazendo-o com competência técnica e com laboriosidade, para contribuir ao progresso de todos os seus irmãos e para iluminar com a luz do Verbo todas as
atividades humanas (cf. Lumen Gentium, n. 36). Mas, sobretudo, o Papa espera que saibam ser protagonistas de uma sociedade mais justa e mais fraterna, cumprindo as obrigações frente ao Estado: respeitando as suas leis; não se deixando levar pelo ódio e pela violência; sendo exemplo de conduta cristã no ambiente profissional e social, distinguindo-se pela honestidade nas relações sociais e profissionais. Tenham em conta que a ambição desmedida de riqueza e de poder leva à
corrupção pessoal e alheia; não existem motivos para fazer prevalecer as próprias aspirações humanas, sejam elas econômicas ou políticas, com a fraude e o engano.
Definitivamente, existe um imenso panorama de ação no qual as questões de ordem social, econômica e política ganham um particular relevo, sempre que haurirem sua fonte de inspiração no Evangelho e na Doutrina Social da Igreja.
A construção de uma sociedade mais justa e solidária, reconciliada e pacífica; a contenção da violência e as iniciativas que promovam a vida plena, a ordem democrática e o bem comum e, especialmente, aquelas que visem eliminar certas discriminações existentes nas sociedades latino-americanas e não são motivo de exclusão, mas de recíproco enriquecimento.
Tende, sobretudo, um grande respeito pela instituição do Sacramento do Matrimônio. Não poderá haver verdadeira felicidade nos lares se, ao mesmo tempo, não houver fidelidade entre os esposos. O matrimônio é uma instituição de direito natural, que foi elevado por Cristo à dignidade de Sacramento; é um grande dom que Deus fez à humanidade. Respeitai-o, venerai-o. Ao mesmo tempo, Deus vos chama a respeitar-vos também no namoro e no noivado, pois a vida conjugal que, por disposição divina, está destinada aos casados é somente fonte de felicidade e de paz na medida em que souberdes fazer da castidade, dentro e fora do matrimônio, um baluarte das vossas esperanças futuras. Repito aqui para todos vós que «o eros quer nos conduzir para além de nós próprios, para Deus, mas por isso mesmo requer um caminho de ascese, renúncias,
purificações e saneamentos» (Carta encl. Deus caritas est, (25/12/2005), n. 5). Em poucas palavras, requer espírito de sacrifício e de renúncia por um bem maior, que é precisamente o amor de Deus sobre todas as coisas. Procurai resistir com fortaleza às insídias do mal existente em muitos ambientes, que vos leva a uma vida dissoluta, paradoxalmente vazia, ao fazer perder o bem precioso da vossa liberdade e da vossa verdadeira felicidade. O amor verdadeiro “procurará sempre mais a felicidade do outro, preocupar-se-á cada vez mais dele, doar-se-á e desejará existir para o outro” (Ib. n. 7) e, por isso, será sempre mais fiel, indissolúvel e fecundo.
Para isso, contais com a ajuda de Jesus Cristo que, com a sua graça, fará isto possível (cf. Mt 19,26). A vida de fé e de oração vos conduzirá pelos caminhos da intimidade com Deus, e de compreensão da grandeza dos planos que Ele tem para cada um. “Por amor do reino dos céus” (ib., 12), alguns são chamados a uma entrega total e definitiva, para consagrarse a Deus na vida religiosa, “exímio dom da graça”, como foi definido pelo Concílio Vaticano II (Decr. Perfectae caritatis, n.12). Os consagrados que se entregam totalmente a Deus, sob a moção do Espírito Santo, participam na missão de Igreja, testemunhando a esperança no Reino celeste entre todos os homens. Por isso, abençôo e invoco a proteção divina a todos os religiosos que dentro da seara do Senhor se dedicam a Cristo e aos irmãos. As pessoas consagradas merecem,
verdadeiramente, a gratidão da comunidade eclesial: monges e monjas, contemplativos e contemplativas, religiosos e religiosas dedicados às obras de apostolado, membros de institutos seculares e das sociedades de vida apostólica, eremitas e virgens consagradas. “A sua existência dá testemunho do amor a Cristo quando eles se encaminham pelo seu seguimento, tal como este se propõe no Evangelho e, com íntima alegria, assumem o mesmo estilo de vida que Ele escolheu para Si” (Congr. para os Inst. de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica: Instr. Partir de Cristo, n. 5). Faço votos de que, neste momento de graça e de profunda comunhão em Cristo, o Espírito Santo desperte no coração de tantos jovens um amor apaixonado no seguimento e imitação de Jesus Cristo casto, pobre e obediente, voltado completamente à glória do Pai e ao amor dos irmãos e irmãs.

6. O Evangelho nos assegura que aquele jovem, que veio correndo ao encontro de Jesus, era muito rico. Entendemos esta riqueza não apenas no plano material. A própria juventude é uma riqueza singular. É preciso descobri-la e valorizá-la.
Jesus lhe deu tal valor que convidou esse jovem para participar de sua missão de salvação. Tinha todas as condições para uma grande realização e uma grande obra.
Mas o Evangelho nos refere que esse jovem se entristeceu com o convite. Foi embora abatido e triste. Este episódio nos faz refletir mais uma vez sobre a riqueza da juventude. Não se trata, em primeiro lugar, de bens materiais, mas da própria vida, com os valores inerentes à juventude. Provém de uma dupla herança: a vida, transmitida de geração em geração, em cuja origem primeira está Deus, cheio de sabedoria e de amor; e a educação que nos insere na cultura, a tal ponto que, em certo sentido, podemos dizer que somos mais filhos da cultura e por isso da fé, do que da natureza. Da vida brota a liberdade que, sobretudo nesta fase se manifesta como responsabilidade. E o grande momento da decisão, numa dupla opção: uma quanto ao estado de vida e outra quanto à profissão. Responde à questão: que fazer com a vida?
Em outras palavras, a juventude se afigura como uma riqueza porque leva à descoberta da vida como um dom e como uma tarefa. O jovem do Evangelho percebeu a riqueza de sua juventude. Foi até Jesus, o Bom Mestre, para buscar uma orientação. Mas na hora da grande opção não teve coragem de apostar tudo em Jesus Cristo. Conseqüentemente saiu dali triste e abatido. É o que acontece todas as vezes que nossas decisões fraquejam e se tornam mesquinhas e interesseiras.
Sentiu que faltou generosidade, o que não lhe permitiu uma realização plena. Fechou-se sobre sua riqueza, tornando-a egoísta.
Jesus ressentiu-se com a tristeza e a mesquinhez do jovem que o viera procurar. Os Apóstolos, como todos e todas vós hoje, preenchem esta lacuna deixada por aquele jovem que se retirou triste e abatido. Eles e nós estamos alegres porque sabemos em quem acreditamos (2 Tim 1,12). Sabemos e testemunhamos com nossa própria vida que só Ele tem palavras de vida eterna (Jo 6,68). Por isso, com São Paulo, podemos exclamar: alegrai-vos sempre no Senhor (Fil 4,4).

7. Meu apelo de hoje, a vós jovens, que viestes a este encontro, é que não desperdiceis vossa juventude. Não tenteis fugir dela. Vivei-a intensamente. Consagrai-a aos elevados ideais da fé e da solidariedade humana.
Vós, jovens, não sois apenas o futuro da Igreja e da humanidade, como uma espécie de fuga do presente. Pelo contrário: vós sois o presente jovem da Igreja e da humanidade. Sois seu rosto jovem. A Igreja precisa de vós, como jovens,para manifestar ao mundo o rosto de Jesus Cristo, que se desenha na comunidade cristã. Sem o rosto jovem a Igreja se apresentaria desfigurada.

Queridos jovens, Cristo vos chama a serem santos. Ele mesmo vos convoca e quer andar convosco, para animar com Seu espírito os passos do Brasil neste início do terceiro milênio da era cristã. Peço à Senhora Aparecida que vos conduza, com seu auxílio materno e vos acompanhe ao longo da vida.
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
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UMA VOLTA AO PORQUE

QUARTO ENCONTRO



1. A natureza do eu como promessa

“Aquilo que o homem procura no prazer é um infinito, e ninguém renunciaria jamais à esperança de alcançar este infinito”. A observação de Cesare Pavese encontra outras dramáticas confirmações no seu "Diário". Quando o escritor obteve o mais importante prêmio literário italiano, o Prêmio Strega, comentou: “Obtiveste o dom da fecundidade, és senhor de ti, do teu destino, és célebre como quem não procura sê-lo. Tudo isto, todavia, acabará. Esta profunda alegria tua, esta ardente saciedade é feita de coisas que não planejaste; e dada a ti. A quem, a quem, a quem agradecer, contra quem blasfemar no dia em que tudo acabar?” E no dia da entrega do Prêmio: “Em Roma, apoteose. E daí?”...
Mas entre as primeiras notas do seu diário já aparece uma observação capital: “É uma coisa grande o pensamento de que nada seja a nós devido. Alguém acaso jamais nos prometeu algo? Então, porque esperamos?”. Talvez ele não tenha pensado que a espera é a estrutura mesma da nossa natureza, a essência da nossa alma. Ela não é um cálculo: é dada. A promessa está na origem, desde a própria origem da nossa criação. Quem fez o homem o fez "promessa". Estruturalmente o homem espera; estruturalmente é mendigo, estruturalmente, a vida é promessa.

Recordo um trecho de um "blues" de Baldwin:
Richard: Também você, quando era moça, estava convencida de saber mais que seu pai e sua mãe, não é? Aposto que bem lá no fundo você achava isso, minha velha.
Mamma Henry: Nada disso. Achava, ao contrário, que iria conhecer mais coisas porque os meus tinham nascido escravos e eu tinha nascido livre.
Richard: E você conheceu de fato mais coisas?
Mamma Henry: Conheci aquilo que tinha que conhecer: cuidar do marido e criar os filhos no temor de Deus.
Richard: Você sabe que não acredito em Deus, vó.
Mamma Henry: Você não sabe o que diz. Não é possível que você não acredite em Deus. Não é você quem decide.
Richard: E quem decide?
Mamma Henry: A vida. A vida que está em você decide. Ela sabe de onde vem e acredita em Deus.

Conservo entre as lembranças de quando era professor no segundo grau a memória do trágico falecimento de um professor de latim e grego: morreu de repente enquanto estava dando aula. Nos funerais, eu estava um pouco à parte, enquanto levavam o caixão; voltando‑me, vi perto de mim um professor de filosofia, conhecido na escola como ateu. Seu rosto estava muito tenso e eu, certamente sem perceber, devo ter demorado alguns instantes observando‑o. Então, sentindo‑se talvez interrogado, exclamou: “A morte é o fato que está na origem de toda a filosofia!”
O horizonte ao qual o homem chega é como um sinal de morte; a morte é a origem e o estímulo de toda a procura, porque o abismo da pergunta humana encontra ali mesmo a contradição mais poderosa e descarada. Mas esta contradição não elimina a pergunta; antes, a exaspera.
Havia em Garbagnate, perto de Milão, um sanatório, para onde fui a fim de visitar uma pessoa. Quando saía, fui chamado por um enfermeiro: um doente estava morrendo e não tinham encontrado o capelão. Era um jovem de pouco mais de vinte anos, muito simples e puro. Impressionou‑me porque, na sua situação, parecia contar, serenamente, as batidas do coração e dizer: “Mais uma...”. Há mortes assim lúcidas até o último instante. Aquele jovem morreu tranqüilo. E refleti: se alguém tivesse consciência plena da morte que está chegando, a sua autoconsciência sentiria esgotadas suas perguntas? Ou as sentiria mais exasperadas? É como o impacto de alguém que está correndo contra um muro: quando uma energia está em tensão, encontrando um obstáculo, a tensão cresce, não se desfaz.


2. O senso religioso como dimensão

O ardor radical, implacável, que liberta o inexaurível movimento humano à procura do fundo último das coisas ‑ origem e destino ‑ plasma em estupenda imagem a primeira página de José e seus irmãos, de Thomas Mann:
“Profundo é o poço do passado; não deveríamos chamá‑lo insondável? Insondável, e talvez mais do que nunca quando falamos do passado do homem. Deste ser enigmático que recolhe em si a nossa existência, alegre por natureza, mas também mísera e dolorosa. É bem compreensível que o seu mistério forme o alfa e o ômega[1] de todos os nossos discursos, de todas as nossas perguntas, dê fogo e tensão a cada palavra nossa, urgência a cada problema nosso, porque justamente nesse caso acontece que, quanto mais se escava no subterrâneo mundo do passado, mais os primórdios do humano, da sua história, da sua civilização, revelam‑se de todo insondáveis, mesmo fazendo descer a sonda a profundidade fabulosa, cada vez mais retrocedendo na direção de abismos sem fundo. Usamos justamente a expressão 'cada vez mais', porque o insondável se diverte em brincar com a nossa paixão interrogante, oferece‑lhe pontos de chegada ilusórios, atrás dos quais, assim que atingidos, abrem‑se novos caminhos do passado, como acontece a quem, caminhando ao longo das margens do Mar do Norte, não encontra nunca o termo de seu caminho, porque atrás de cada terreno arenoso de dunas que deseja atingir outras amplas vastidões atraem para mais além, na direção de outras dunas”.
“O mistério ‑ diz Mann ‑ dá fogo e tensão a cada palavra nossa.” É a mesma metáfora que emprega Cesare Pavese na carta a uma professora, tradutora da Ilíada e da Odisséia para a coleção de Einaudi dirigida pelo grande escritor. Tendo‑lhe ela desejado que um despontar de exigência religiosa, entrevisto em seu último livro, E o galo cantou, pudesse desenvolver‑se e completar‑se, Pavese respondeu:
"Quanto à solução que a senhora deseja que eu encontre, creio que dificilmente irei além do capítulo XV do 'Galo'. Seja como for, não errou ao sentir que está aqui o ponto inflamado, o 'locus' de toda a minha consciência".
O sentido religioso e a capacidade da razão exprimir a própria natureza profunda na interrogação última, é o “lócus” da consciência que o homem tem da existência.
Tal pergunta inevitável está em cada indivíduo e dentro do seu olhar para as coisas.

O filósofo norte‑americano Whitehead assim define a religião: “aquilo que o homem faz na sua solidão”. A definição é interessante, mesmo que não expresse todo o valor do qual parte a intuição que a gerou. De fato, a pergunta última é constitutiva do indivíduo e, nesse sentido, o indivíduo é totalmente só: ele mesmo é aquela pergunta e nada mais. Por isso, quando olhamos um homem, uma mulher, um amigo, alguém que passa, sem que ressoe em nós o eco daquela pergunta, daquela sede de destino que os constitui, nossa relação não é humana, e muito menos pode ser um relacionamento amoroso em qualquer nível: de fato, não respeita a dignidade do outro, não é adequado à dimensão humana do outro.
A mesma pergunta, porém, no mesmo instante em que define a minha solidão, coloca a raiz da minha companhia, porque significa que eu sou constituído por uma outra coisa, ainda que misteriosa.
Portanto, se quisermos completar a definição do filósofo americano, diremos que a religião é, sim, aquilo que o homem faz na sua solidão, mas é também aquilo em que descobre a sua essencial companhia. Tal companhia é mais original que a solidão, já que a estrutura de pergunta não é gerada pela minha vontade, mas me é dada. Por isso, antes da solidão está a companhia que abraça a minha solidão. Por isso, ela não é mais verdadeira solidão, mas grito de apelo à companhia escondida.
Um eco sugestivo se encontra no poema do Prêmio Nobel de Literatura de 1951, Pãr Lagerkvist:

É meu amigo um desconhecido,
Alguém que não conheço
Um desconhecido de muito longe...
Por ele meu coração está cheio de
Saudades
Por que ele não está junto de mim?
Talvez por que na realidade não exista?
Quem és tu que preenches o meu
Coração com tua ausência?
Que preenches toda a terra com tua ausência?


Conclusão

Só a hipótese de Deus, só a afirmação do mistério como realidade existente além do alcance da nossa capacidade de conhecimento corresponde à estrutura original do homem.
Se a natureza do homem está indomavelmente[2] à procura de uma resposta, se a estrutura do homem é esta pergunta irresistível e inexaurível, a pergunta é suprimida se não admitimos a existência de uma resposta.
Esta resposta só pode ser insondável. Só a existência do mistério é adequada à estrutura de mendicância[3] que o homem é. Ele é insaciável mendicância e o que lhe corresponde é algo que não é ele mesmo, que ele não pode dar a si mesmo, que não consegue medir, que o homem não sabe possuir.
“... O mundo sem Deus seria uma fábula contada por um idiota num acesso de raiva”, diz um personagem de Shakespeare, e nunca foi melhor definido o tecido de uma sociedade atéia. A vida, então, seria “uma fábula”, um sonho estranho, discurso abstrato ou imaginação exasperada; “contada por um idiota”, e por isto, sem capacidade de nexo, em pedaços, sem ordem real, sem uma possibilidade de previsão; “em um acesso de raiva”, isto é, onde a única metodologia de relacionamento é a violência, ou seja, a ilusão da posse.
Tudo o que até agora detalhamos, do ponto de vista existencial, procurou sublinhar aquilo que é em nós o senso religioso, como surge em nossa consciência: pergunta de totalidade que é constitutiva da nossa razão, isto é, da capacidade que o homem tem de conhecimento, da sua abertura para ir adiante e abraçar sempre mais a realidade.
Pelo simples fato de viver, um homem coloca esta pergunta, porque é a raiz da sua consciência do real. Não só ele coloca a pergunta como também a responde, afirmando um "último": porque pelo simples fato de que um homem vive cinco minutos, afirma a existência de um "quid" pelo qual vale a pena, em última instância, viver aqueles cinco minutos. É o mecanismo estrutural da razão, é uma implicação inevitável. Como o olho, ao se arregalar, descobre formas e cores, assim a razão, pelo simples fato de que se põe em movimento, afirma um "último", uma realidade última de que tudo se constitui; um destino último, sentido de tudo.
Por isso, a estas perguntas constitutivas nós damos uma resposta: consciente e explicitamente, ou prática e inconscientemente.

A afirmação da existência da resposta, como implicada no fato mesmo da pergunta, pode ser simbolizada na leitura da formula:
A®A1
Esta fórmula indica que A passa a A1, isto é , é símbolo do movimento, da mudança. Uma leitura inteligente da fórmula implica que um terceiro elemento esteja envolvido, um terceiro elemento aparentemente não explicitado, ainda que contido na fórmula. De fato, se não admitimos a existência de um X, para além da existência de A e de A1, deveríamos identificar A com A1, negando assim a "passagem" ou a diversidade entre A e A1, como a experiência torna evidente. Que uma coisa passe de uma posição a outra diferente significa que "outro" torna possível esta passagem. Dizer "o homem se transforma", ou "a vida passa", implica a existência de uma outra coisa, de outro modo seria uma afirmação que nega a si mesma, porque, sem admitir que exista um fator oculto a determinar a passagem, deveríamos admitir ‑ como já dissemos ‑ a identidade entre A e A1, o que consistiria na negação da fórmula acima apresentada, que é a descrição da experiência em ato.
[1] O alfa e o ômega: o início e o fim.
[2] Indomável: que não se pode domar.
[3] Mendicidade.

UMA VOLTA AO PORQUE

TERCEIRO ENCONTRO


1. Desproporção estrutural

A inexauribilidade[1] da resposta às exigências constitutivas do nosso eu é estrutural, isto é, de tal modo inerente à nossa natureza que representa a característica do seu ser.
Se chamamos provisoriamente "deus" o termo indefinível deste apelo, inscrito em nós mesmos, Rilke[2] proclama seu caráter definitivo em uma admirável poesia sua:

Apaguem‑se‑me os olhos: eu Te vejo,
Torna‑me surdo e ouvirei Tua voz,
Corta‑me os pés: por Teu caminho corro.

Sem voz a ti elevarei as preces.
Quebrem‑se‑me os braços e eu Te abraçarei,
Com novos braços de meu coração;
Se o coração parar, será o meu cérebro;
Se também ele arder, então meu sangue
Te acolherá, Senhor, em cada gota.

Dentro de um milhão de anos, a questão colocada por aquelas perguntas será talvez mais exasperada, mas não respondida.

Talvez se para voar tivesse eu asas,
E fosse às nuvens, estrelas contar,
Ou qual trovão, de cume em cume errasse,
Seria mais feliz, doce rebanho,
Seria mais feliz, cândida lua.
(G. Leopardi)

Cento e cinqüenta anos depois de Leopardi, o homem vaga "qual trovão, de cume em cume" com seus aviões a jato, e "conta as estrelas uma a uma" com seus satélites. Mas podemos dizer que o homem tenha‑se tornado, no entanto, ao menos um pouco mais feliz? Certamente não. Trata‑se de algo que está, por natureza, "além" de todo o movimento humano.
Na introdução de seu livro Da ciência à fé, o grande matemático Severi, muito amigo de Einstein, escreveu que quanto mais se aprofundava na pesquisa científica, mais era evidente para ele que tudo que descobria, à medida que avançava, era função de um absoluto "que se opunha como barreira elástica à sua superação com os meios cognitivos"[3]. Quanto mais sua pesquisa avançava, mais o horizonte ao qual chegava remetia a um outro horizonte, fazendo perceber sua conquista como única função que o impelia posteriormente para um "x", um "quid" que estava além das condições nas quais operava. Quando a pesquisa atingia um certo termo, o objeto da ação, x, se deslocava. (...)
Para alguém que esteja seriamente empenhado e atento a esta dinâmica, a incomensurabilidade[4] e a desproporção entre o objeto ao qual a indagação[5] chega e a profundidade das perguntas se torna mais evidente à medida que avança. Foi uma experiência semelhante que converteu Francesco Severi à religião, depois – ele mesmo diz –de cinqüenta anos de alta experiência científica. Em uma conversa que teve com Einstein poucos dias antes da morte deste, Severi discutiu também com o grande físico o tema religioso. A um certo ponto, Einstein lhe disse: " ... quem não admite o mistério insondável não pode nem ser um cientista". O que caracteriza o cientista é, de fato, o empenho profundo e aberto à pesquisa diante de qualquer fenômeno ou circunstância. Se não admite o x incomensarurável, se não admite a desproporção, que ninguém pode preencher, entre o horizonte último e a capacidade dos passos humanos, o homem elimina a categoria da possibilidade, a dimensão suprema da razão, pois somente um objeto incomensurável pode representar um convite indefinido para uma abertura estrutural no homem. A vida é fome, sede, paixão por um objeto último que domina sobre seu horizonte, embora esteja sempre para além dele. E é isto que, uma vez reconhecido, faz do homem alguém que busca incansavelmente.
Shakespeare escreveu em HamIet: "há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha tua vã filosofia". Sempre existirão mais coisas no céu e na terra ‑ isto é, na realidade ‑, que na nossa percepção e concepção da realidade ‑ isto é, na filosofia. Por isso, a filosofia deve possuir uma profunda humildade, deve ser uma tentativa inteiramente aberta e desejosa de adequação, complementação, correção: deve ser dominada pela categoria da possibilidade. Onde falta a categoria da possibilidade o passo é bloqueado. O passo já é pré‑definido pelo projeto do poder ou pelo projeto do próprio interesse. Uma sociedade ideológica tende, de fato, a congelar toda procura verdadeira: usa o poder que detém como instrumento para conter tal pesquisa dentro de certos limites de realização e de manifestação. Uma ditadura nunca tem interesse em que a pesquisa sobre o homem seja livre, porque uma pesquisa livre sobre o homem é o limite mais perigoso para o poder, e fonte incontrolável de possibilidades de oposição.
Quando ao ser humano vem a faltar a humilde consciência de que seu pensamento possa ser essencialmente reformulável, então começa a metamorfose: a filosofia torna‑se ideologia. E a metamorfose vai‑se cumprindo na medida em que pode ser considerado "normal" que se tenda a impor a própria concepção da vida. Assim, entra em cena a violência do poder.


2. Tristeza

À presunção do poder, cheia de censuras e de renegações, corresponde, no indivíduo, no homem real, a grande tristeza, caráter fundamental da vida consciente de si, "desejo de um bem ausente", segundo Santo Tomás.
A incomensurabilidade do objeto verdadeiramente procurado com a capacidade humana de "agarrá‑lo" leva a viver acima de tudo a experiência de uma posse, por natureza, fugitiva.

Seja o que for que digas ou faças,
há dentro um grito:
não é por isso, não é por isso!


E assim tudo reenvia
a uma pergunta secreta:
o ato é pretexto (...)
Na iminência de Deus
a vida acaba
com as reservas caducas,
enquanto cada um se agarra
a algum bem que lhe grita: adeus!
(C. Rebora)

A tristeza brota, assim, da "força operosa que nos fadiga a cada movimento", e a "fadiga" de Foscolo se torna "fastio"[6], a inquietação leopardiana despertada por:

...um espinho angustiante
Que me faz mais que nunca estar distante
de encontrar paz e lugar.

Estar consciente do valor de tal tristeza identifica‑se com a consciência da estatura da vida e com o sentimento de seu destino. Assim, em Os demônios, Dostoievsky pode contar nobremente:

“... Soubera tocar no coração do seu amigo as cordas mais profundas e provocar nele a primeira sensação, ainda indefinida, daquela tristeza eterna e santa que alguma alma eleita, tendo‑a uma vez saboreado e conhecido, depois não trocará nunca mais por uma satisfação barata (há certos amadores feitos de tal forma que têm esta tristeza mais querida do que a satisfação mais radical, admitindo que tal satisfação seja possível)".

Se a tristeza é a centelha que se acende pela experiência da "diferença de potencial" entre a destinação ideal e a não realização histórica, o achatamento daquela "diferença" ‑ seja como for que aconteça ‑ cria o oposto lógico da tristeza, o desespero:

"Somente a idéia constante de que existe algo de infinitamente mais justo e mais feliz do que eu me enche de ternura sem medida e de glória, quem quer que eu seja, o que quer que eu tenha feito. Para o homem, é muito mais indispensável do que a própria felicidade saber, e a todo momento crer que existe, em certo lugar, uma felicidade perfeita e calma, para todos e para tudo... Toda a lei da existência humana consiste só nisto: que o homem possa se dobrar diante do infinitamente grande. Se os homens viessem a ser privados do infinitamente grande, eles não poderiam mais viver e morreriam presos do desespero".
(F. Dostoievsky)

Talvez o comentário de uma jovem numa carta a um amigo não seja de menor peso que a intuição do grande russo: "Se as coisas fossem somente aquilo que vemos, estaríamos desesperados".
Mas nenhuma página da literatura, talvez, expresse tanto a estrutura filosófica e o dinamismo existencial cotidiano dessa tristeza como a última parte de "A noite do dia de festa", de Leopardi:

... Ai, pela rua, não longe, ouço o canto
Do artesão solitário, que regressa
Noite alta ao casebre após folgar.
E ao pensar que sem quase deixar traço,
No mundo tudo passa, cruelmente,
Sinto que o coração se me constrange.
Passou o dia feriado e o comum vem,
E lá se vai o tempo assim também,
Todo o humano evento.
Onde está o som dos povos que passaram,
Onde a fama do célebre ancestral,
De Roma o império, armas e fragor,
Que pela terra e pelo mar andaram?
Tudo é silêncio e paz, repousa o mundo.
E deles não há mais sequer lembrança.
Na minha infância, quando ansiosamente,
Se esperava o feriado, e ao terminar,
Quando eu com insônia e magoado,
Jazia no leito, já o coração
Me confrangia um canto que além
Nos caminhos se ouvia a falecer
Aos poucos na distância.

[1] Caráter do que não se pode exaurir: nunca atingimos a plena resposta, o fim da resposta.
[2] Poeta alemão.
[3] Tudo o que ele descobria nunca era uma resposta total, mas sempre dependia de outra coisa, era como uma parte da resposta total, absoluta, que ele não podia dominar com a inteligência: cada vez que dela se aproximava, ela parecia fugir para mais longe.
[4] Caráter do que não se pode medir.
[5] Pesquisa.
[6] sentimento de enfado, aborrecimento, tédio.

sexta-feira, dezembro 29, 2006

UMA VOLTA AO PORQUE

SEGUNDO ENCONTRO


Esse capítulo é o capítulo-chave do livro todo. Pois nele, Giussani tenta fazer nos “tocar do dedo” o senso religioso em nossa vida, isto é, tenta levar cada um de nós a dizer: “é verdade, eu também vivo isso”. No primeiro ponto, ele nos mostra que esse tal de “senso religioso” não é senão esse não sei o que que provoca em nós aquelas perguntas, das quais nos falava o padre Guilherme, na introdução que acabamos de ler. Giussani as exemplifica com esse poema de Leopardi: quem de nós nunca “filosofou”, diante da imensidão de um céu estrelado, ou diante da infinitude do mar, da enorme potência de uma trovoada, ou num evento importante da vida, tal como o nascimento de uma criança, ou a morte de um ente querido? Giussani nos diz que essas perguntas são características do homem: nenhum animal as tem.
No ponto 2, o autor afirma que esse senso religioso é o fundo mais profundo do nosso ser, que ele está por trás de todo o que desejamos, fazemos ou dizemos, que ele é a raiz de todo nosso agir. Então, se todo o que fazemos vem dele, de um certo jeito, ele vem primeiro.
No seu terceiro ponto, exigência de uma resposta total, Giussani diz duas coisas importantes. A primeira (que vem no final do ponto), é que esse senso religioso, se ele aparece através das perguntas últimas, então ele se confunde com a exigência nossa de sentido, com nossa vontade insaciável de saber o porquê de todo: porque isso? O que significa? O que está por trás? A segunda coisa, é que só poderíamos ficar tranqüilos com essas perguntas se achávamos a resposta certa para todas, se não tivesse mais a mínima pergunta esquecida, em outras palavras, se podíamos achar a resposta total.
E no último ponto estudado hoje, o autor observa justamente que nunca estamos plenamente satisfeitos com as respostas encontradas. Quando pensamos achar uma, logo aparece outra pergunta atrás...
Esse assunto será continuado ainda por dois encontros.



O SENSO RELIGIOSO: SUA NATUREZA[1]


1. O nível de certas perguntas


O fator religioso representa a natureza de nosso eu enquanto se exprime em certas perguntas: “Qual é o significado último da existência?” “Por que existe a dor, a morte? Por que, no fundo, vale a pena viver?”. Ou, a partir de outro ponto de vista: “De que e para que é feita a realidade?”. O senso religioso situa-se dentro da realidade do nosso eu ao nível destas perguntas: coincide com o compromisso radical de nosso eu com a vida, que se mostra nestas perguntas.
Um dos textos literários mais belos é aquele em que “o pastor errante na Ásia” de Leopardi repropõe à Lua, que parece dominar o infinito do céu e da terra, as perguntas do horizonte também sem fim:

E sempre te vejo
Estar tão muda assim sobre o deserto,
Que em limite incerto o céu confina,
Ou sobre o meu rebanho,
Indo, indo, a seguir-me bem de perto,
E olhando o céu de estrelas sobre as rochas,
Digo-me a mim, pensando:
Para que tantas tochas?
Que fazem o ar infinito e essa profunda,
Azul serenidade?
Que quer dizer a solidão imensa?
E eu, que sou?

Desde os tempos mais antigos, uma das comparações mais usadas para identificar a fragilidade e o caráter enigmático último da vida humana são as folhas, folhas secas caídas no outono. Podemos dizer que o senso religioso é a característica que qualifica o nível humano da natureza e se identifica com a intuição inteligente e a emoção dramática com que o homem, olhando a própria vida e a de seus semelhantes, diz: “Somos como folhas...”. “Longe do seu ramo, pobre folha frágil, onde irás?”. Mas, seja como for, a retomada leopardiana do poema de Arnault tem antepassados bem conhecidos não só na literatura grega, mas também em todas as literaturas do mundo.
O senso religioso está no nível destas emoções, como eu dizia, inteligentes e dramáticas, inevitáveis – mesmo se o clamor ou a obtusidade[2] da vida social pareçam querer silenciá-las.
E tudo se concerta para nos calar, em parte
Por vergonha, talvez, em parte por indizível esperança.
(R. M. Rilke)


2. No fundo do nosso ser


Estas perguntas se enraízam profundamente no nosso ser: são inextirpáveis
[3], pois constituem como que o tecido de que é feito.
São Paulo, no discurso do Areópago, relatado no capítulo 17 dos Atos dos Apóstolos, quando disputa com os antenienses a respeito da procura de uma resposta às perguntas últimas, que fazem falar o fundo do nosso ser, identifica-as com a energia que domina toda a mobilidade humana, provocando-a, sustentando-a, redefinindo-a continuamente. Esta mobilidade compreende inclusive a própria mobilidade dos povos e seu vagar pelo mundo “em busca do deus”, dele “que dá a cada um a vida, a respiração, tudo”.
Qualquer movimento do homem tem esta fonte, esta raiz enérgica, e é secundário e dependente em relação a esta última, original, radical e enigmática fonte.


3. A exigência de uma resposta total


Naquelas perguntas, o aspecto decisivo é oferecido pelos adjetivos e advérbios: qual é o sentido último da vida no fundo; no fundo, de que é feita a realidade; para que vale verdadeiramente a pena que eu exista, que a realidade exista?
São perguntas que esgotam toda a energia de procura da razão. São perguntas que exigem uma resposta total, que abranja todo o horizonte da razão, esgotando toda a “categoria da possibilidade”.
Existe, com efeito, uma coerência da razão, que só se detém quando chega a se exaurir totalmente.
... Sob o intenso azul do céu
um ou outro pássaro de mar voa
nunca se detém
porque todas a imagens
têm a escrita “mais além”
(E. Montale)

Se o sentido da realidade se exaurisse[4] somente após responder a mil perguntas e o homem encontrasse a resposta para novecentas e noventa e nove, estaria tão inquieto e insatisfeito como no começo. Existe no Evangelho uma referência importante a esta dimensão: “Que importa ao homem possuir todo o mundo, se perde o significado de si? Que dará o homem em troca de si?”
Este “si” não é outra coisa senão a exigência clamorosa, indestrutível e substancial de afirmar o significado de tudo. É precisamente assim que o senso religioso define o eu: o lugar da natureza onde é afirmado o significado do todo.
A urgência de afirmar este significado pode ser comparada com a experiência do sentimento humano do amor, descrita por Leopardi em seu poema “Pensamento Dominante”:

Dulcíssimo, potente
Dominador do todo em minha mente:
Terrível, mas amado
Dom do céu; companheiro
Dos dias meus sem fim,
Pensamento que voltas sempre a mim.
Do ser só mistério
Quem não fala? Sua força em nossos peitos
Quem não sentiu? (...)

Quão solitária a minha
Mente se viu tornada
Quando tu a tomaste por morada!
Fugiram qual relâmpago desperto
Que o céu não mais protela,
Meus outros pensamentos. E qual torre
No imenso de um deserto,
Estás gigante e só no centro dela.


4. Desproporção à resposta total


Quanto mais avançamos na tentativa de responder a tais perguntas, mais percebemos a sua potência e a nossa desproporção em relação à resposta total. É o tema dramático dos “Pensamentos” de Leopardi :

“Não poder estar satisfeito com nenhuma coisa terrena, nem, por assim dizer, com a terra inteira; considerar a amplitude inestimável do espaço, o número e a construção maravilhosa dos mundos, a achar que tudo é pouco e pequeno para a capacidade de sua própria alma; imaginar infinito o número dos mundos, e o universo infinito, e sentir que a alma e o nosso desejo seriam ainda maiores do que tão grande universo; e sempre acusar as coisas de insuficiência e maldade, e sentir carência e vazio e, portanto, tédio, parece-me o maior sinal de grandeza e nobreza que se vê na natureza humana.”

A inexorabilidade
[5] das perguntas ressalta a contradição entre o ímpeto da exigência e a limitação da medida humana na procura. No entanto, lemos com gosto um texto à medida que a vibração destas perguntas e a dramaticidade lhe sustentam a temática.
Se a força e a agudeza da sensibilidade de Leopardi nos comovem, é porque manifestam algo que somos: uma contradição insolúvel; o "mistério eterno do nosso ser", do poema "Sobre o retrato de uma bela mulher esculpido sobre seu monumento sepulcral":

Desejos infinitos
Visões e alumbramento
Cria no pensamento,
Por força inata, a sábia harmonia;
Donde por mar que é só delícia, arcano
Erra o espírito humano,
Quase como, a brincar,
Um nadador audaz pelo oceano:
Mas mínima anarquia Que fira o ouvido, logo
Torna‑se nada o Éden que existia.

Como podes, ó natureza humana,
Se em tudo és frágil,
vil, se és pó e sombra,
Tão elevados ter os sentimentos?
E como, se ainda em parte nobre és,
Podem tão facilmente os teus mais dignos
Pensamentos e os mais altos impulsos,
Ser por tão baixas causas despertados
E ao mesmo tempo extintos?

[1] GIUSSANI, Luigi, O senso religioso, Capítulo V, 2a edição – Edit. Companhia Ilimitada
[2] caráter ou comportamento daquele que é insensível, estúpido.
[3] que não se pode extirpar, arrancar.
[4] Exaurir: despejar(-se) até a última gota, esgotar(-se) inteiramente.
[5] Qualidade de que não cede ou se abala diante de súplicas e rogos.

terça-feira, dezembro 05, 2006

UMA VOLTA AO PORQUE

PRIMEIRO ENCONTRO

O SENSO RELIGIOSO: O PONTO DE PARTIDA[1]

Premissa

[...] Entremos agora na parte viva de nosso tema, mas tendo sempre presente uma preocupação metodológica. Nós somos feitos para a verdade, entendendo por verdade a correspondência entre consciência e realidade, que vimos ser a natureza do dinamismo racional. Vale repetir que o verdadeiro problema, no que concerne à procura da verdade sobre os significados últimos da vida, não é o de uma grande inteligência que se faça necessária, de um esforço especial ou de excepcionais meios para alcançá-la. A verdade última é como quando se encontra algo belo no nosso caminho: só vemos e reconhecemos se estamos atentos. O problema, portanto, é esta atenção.


1. Como proceder

Como enfrentar a experiência religiosa para colher seus fatores constitutivos? Definamos, por ora, o método que queremos usar. Pode parecer algo ainda preliminar, mas ele já identifica o objetivo.
a) Se a experiência religiosa é uma experiência, não podemos senão partir de nós mesmo para olhá-la de frente e colhê-la em seus aspectos constitutivos. Atentemos ao fato de que estas afirmações parecem evidentes, mas espero que aflore depois, discretamente, com a prova dos fatos, como não o são. Pelo contrário, justamente estas afirmações são totalmente esquecidas pela mentalidade de hoje. Portanto, se falamos de uma experiência, nós mesmos somos o ponto de partida.
b) Mas “partir de nós mesmos” é uma proposição que pode prestar-se a equívocos. Perguntemo-nos: como identifico a mim mesmo? Este “eu mesmo” pode correr o risco de ser definido a partir da imagem que tenho de mim, ou de um preconceito, abstratos tanto um como outro. Quando é que se parte verdadeiramente de si mesmo? Partir de si é realista quando a própria pessoa é olhada em ação, isto é, observada na experiência quotidiana. Não existe, de fato, um “eu” ou uma pessoa abstraída da ação que realiza, a não ser que esteja dormindo – a estranha, humorística e dramática “epoché”
[2] na qual diariamente o homem deve cair –, mas, salvo quando dorme, o homem está sempre em ação. Partir de si quer dizer partir da própria pessoa surpreendida na experiência quotidiana. Então, o “material” de partida não será mais um preconceito sobre si mesmo, uma imagem artificiosa de si; não será mais uma definição da própria pessoa talvez tomada de empréstimo das idéias correntes e da ideologia dominante.


2. O eu em ação

Os fatores que nos constituem emergem, portanto, quando nos observamos em ação. É aqui que aparecem os elementos sustentadores daquilo que é o mecanismo, o sujeito humano.
Santo Tomáz diz no seu De Veritate:
[3] por isto alguém percebe que existe – que vive –, pelo fato de que pensa, sente e executa outras atividades semelhantes.
Como é cheia de implicações esta afirmação! Um homem muito preguiçoso – não no sentido da “paresse”
[4] da qual Leclerq fez o elogio, mas no sentido de que, podendo fazer 10, faz 0 ou 1 –, este homem está em condições tais que não pode compreender a si mesmo, ou, se o puder, o fará com muito mais dificuldade.
Imaginemos, por exemplo, um jovem que, por vários motivos, não goste de matemática e, por isso, nunca se tenha empenhado em estudá-la. Ele não está em condições de compreender que possui uma capacidade pelo menos normal neste campo. Se, pelo contrário, começa a empenhar-se, poderá verdadeiramente descobrir que tem até uma capacidade superior ao normal. Isto porque só a ação “descobre” o talento, o fator humano.
Uma mocinha de dezesseis ou dezessete anos pode dizer, ao se levantar como sempre de manhã: “eu não valo nada, não há nada que eu saiba fazer”. Mas, na tarde daquele mesmo dia, se o rapazinho de quem gosta finalmente lhe diz “eu te amo”, ela descobrirá que é diferente daquilo que o desânimo da manhã a tinha feito pensar. Provocados num envolvimento em comum, os fatores de sua personalidade vieram à tona.
Por isso, numa sociedade, um desempregado é um homem que sofre um grave atentado à consciência de si próprio: está em tais condições que a percepção de seus valores pessoais se torna sempre mais enevoada.
Mas atitudes análogas àquele “não sou capaz” da mocinha de nosso exemplo não se encontram, porém, apenas entre as expressões da adolescência. Se um homem adulto assume, em relação ao fato religioso, uma atitude que o leva a dizer: “Não sinto Deus, não tenho a exigência de enfrentar este problema”, ele se põe nesta atitude impelido por uma série de condicionamentos centrifugantes, distrativos, mas não conduzido pela razão, a qual, corretamente empenhada, não poderia eliminar este problema. De tais condicionamentos – usados como álibi – são tiradas conclusões que nada têm a ver com a formulação razoável de um juízo nascido de um compromisso real com o fato vital.
Os fatores constitutivos do humano são percebidos quando estão empenhados na ação – de outro modo, não são encontráveis, mas sim obliterados como se não existissem. Uma pessoa, portanto, que nunca se envolveu pelo fato religioso, até certo ponto, para ela, é como se este fato não existisse. Também é verdade, porém, que, por um lado, ela assume esta posição sem ter posto em ação, no horizonte de sua razão, os elementos necessários a um juízo; por outro lado, para atingir aquele ponto de condicionamento, teve que atravessar – como veremos adiante – todo um percurso não razoável de esquecimentos.


3. O compromisso com a vida

A partir daquilo a que aludimos, fica claro que quanto mais alguém está empenhado com a vida, mais percebe também em cada experiência os próprios fatores da vida.
A vida é uma trama de acontecimentos e de encontros que provoca a consciência, produzindo nela problemas em variada medida. O problema não é nada mais que a expressão dinâmica de uma reação diante dos encontros. A vida é, portanto, uma trama de problemas, um tecido de eventos reativos aos encontros mais ou menos provocantes. O significado da vida – ou das coisas mais pertinentes e importantes da vida – é um ponto de chegada possível somente para quem leva a sério a vida, seus acontecimentos e encontros, isto é, para quem está empenhado com a problemática da vida.
Estar empenhado com a vida não significa um compromisso exasperado com um ou outro de seus aspectos: o empenho com a vida nunca é parcial. O compromisso com um ou outro aspecto da vida, se não é vivido como derivação de um empenho global com a própria vida, corre o risco de tornar-se uma parcialidade desequilibrante, uma fixação ou uma histeria. Lembro um pensamento de Chesterton: “O erro é uma verdade que enlouqueceu”.
Por isso, não se confunda o empenho exigido como premissa
[5] urgente de atitude, a fim de que o processo a que ele interessa possa avançar realmente, com o empenho que tem por objeto apenas um ou outro aspecto da existência.
A condição para poder surpreender em nós a existência e a natureza de um fator sustentador e decisivo como o senso religioso é o empenho com a vida inteira, na qual tudo está compreendido: amor, estudo, política, dinheiro, até a alimentação e o repouso, sem esquecer nada – nem a amizade, nem a esperança, nem o perdão, nem a raiva, nem a paciência. De fato, dentro de cada gesto está o passo em direção ao próprio destino.


4. Aspectos do compromisso

a) Entre os aspectos da vida, entre os termos do nosso compromisso com toda a existência, coloco em relevo, de imediato, um que é essencial. Ele é normalmente negligenciado, esquecido, pelo menos como tomada de consciência, e, na prática, também muito maltrato e distorcido em seu valor: é a tradição.
[...] Cada um de nós nasce de uma tradição. A natureza nos lança dentro da dinâmica da existência armando-nos de um complexo instrumento para enfrentar o ambiente. Cada homem encara a realidade circunstante dotado, por natureza, de elementos que encontra junto de si como dados, como oferecidos. A tradição é, pois, a complexa herança com a qual a natureza arma a nossa pessoa. Não porque devamos fossilizar-nos nela, mas porque temos que desenvolver – até o ponto de mudar, e profundamente – aquilo mesmo que nos foi dado.
Mas, para mudar aquilo que nos foi dado, devemos, inicialmente, agir “com” o que nos foi dado, isto é, devemos usá-lo. É por força dos valores e da riqueza que recebi que posso tornar-me, por minha vez, criativo, capaz de desenvolver aquilo que encontro ao alcance de minhas mãos; e, mais ainda, é por força dos valores e da riqueza que me foram dados que posso também mudar radicalmente o seu significado e a sua condição.
Nós dizemos que a tradição é como a hipótese de trabalho com a qual a natureza nos coloca no grande canteiro de obras da vida e da história. Somente empregando esta hipótese de trabalho poderemos, ao invés de nos debater confusamente, começar a intervir com razões, com projetos e com representações críticas sobre o ambiente e, por isso, sobre este fator extremamente interessante do ambiente que somos nós mesmos.
Eis, pois, a necessidade de uma lealdade para com a tradição: ela é requerida por um compromisso global com a existência.
Se um homem entre na vida com a sua tradição, mas a joga fora antes de tê-la realmente provado, tal atitude em relação a um instrumento tão original da natureza revela uma posição desleal para com os outros aspectos da vida, mas sobretudo para consigo mesmo e com o próprio destino. [...] É preciso que a riqueza tradicional seja aplicada à problemática da vida através do crivo crítico que em nossa primeira premissa chamamos experiência elementar.
[6]
Caso contrário – isto é, omitindo aquele crivo crítico – o sujeito é alienado e fossilizado na tradição ou, entregue à violência do ambiente, acaba por abandoná-la. É o que acontece na consciência religiosa da maioria: a violência do ambiente decide por eles.
Insisto: usar criticamente este fator da vida não significa levantar dúvidas sobre os seus valores – mesmo que isto seja sugerido pela mentalidade corrente – mas usar aquela riquíssima hipótese de trabalho através do crivo de um princípio crítico que está dentro de nós, inato, porque dado originalmente, que é a experiência elementar. Se a tradição é usada assim criticamente, torna-se fator de personalidade, material para um rosto específico, para uma identidade no mundo. Goethe dizia: “Aquilo que tu herdaste de teus pais, ganha-o novamente para possuí-lo”.

b) Um segundo aspecto fundamental do empenho do eu para descobrir os fatores de que é constituído é o valor do presente.
Partir do presente é inevitável. Para aprofundar o nosso olhar no passado – distante ou próximo -, de que ponto partimos? Do presente. Para aventurarmo-nos nas arriscadas imagens do futuro, de que iniciamos? Do presente.
Este presente apenas perceptível, que de certo ponto de vista aparece a nossos olhos como um nada, um instante, quando considerado menos apressadamente, parece tão carregado e pleno de tudo que nos precedeu! Na medida em que sou eu mesmo, sou rico de tudo aquilo que me precedeu. Tomás de Aquino dizia que “anima est quodammodo omnia”: “o espírito do homem é, de algum modo, tudo”. Alguém é tanto mais pessoa humana, mais homem, quanto mais abraça e vive no instante presente tudo aquilo que o precedeu e o circunda.
O presente é sempre uma ação, não obstante toda indolência, todo cansaço e distração possíveis em seu protagonista.
[...] O homem, dizíamos, para compreender os fatores pelos quais é constituído, deve partir do presente. Seria um grave erro de perspectiva partir do passado para conhecer o presente do homem. Se, por exemplo, para indagar a respeito do que poderia ser a minha experiência religiosa, eu dissesse: “Estudemos a história das religiões, analisemos as formas primitivas da religiosidade: assim, distinguiremos os verdadeiros fatores da experiência religiosa”, tal pretensão de partir do passado significaria, porém, não conseguir evitar uma imagem “presente” do próprio passado, arriscando-se, desta forma, a identificá-lo com uma concepção fabricada de hoje. Só diante da consciência do meu presente me é possível ter em conta a fisionomia humana nos seus elementos e na sua dinâmica naturais – e, por isso, também identificáveis no passado.
Mas, se percebo agora os fatores da minha experiência de homem, posso projetar-me no passado e descobrir os mesmos fatores reconhecíveis nas páginas de Homero ou dos filósofos eleáticos,
[7] ou de Platão, ou de Virgílio ou de Dante; e isto confirmará a grande unidade da estirpe[8] humana, e se tornará realmente experiência de civilização que cresce e se enriquece. Quando parte do presente para surpreender a experiência humana em seus fatores constitutivos, o estudo de passado ilumina sempre mais esse olhar que dirijo a mim mesmo. Mas, antes de ter acesso ao enigma do passado, devo ter em mãos, ainda que apenas vislumbrados, os fatores luminosos da minha personalidade presente.



[1] Luigi Giussani, O senso religioso – Primeiro volume do PerCurso, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, capítulo IV Pp. 57-64.
[2] Palavra grega que significa suspensão de juízo, interrupção.
[3] “In hoc aliquis percipit se animam habere et vivere et esse, quod percipit se intelligere, sentire et alia huiusmodi opera vitae exercere”, Santo Tomás, Quaestiones disputatae de veritate, q.10 art.8 c.
[4] Palavra francesa que significa preguiça.
[5] ponto ou idéia de que se parte para armar um raciocínio.
[6] No capítulo 1, p. 24 : “Trata-se de um conjunto de exigências e evidências com as quais o homem é lançado no confronto com tudo o que existe. A natureza lança o homem na comparação universal consigo mesmo, com os outros e com as coisas, dotando-o de um conjunto de evidências e exigências originais, tão originais que tudo o que o homem diz ou faz depende delas”.
[7] Escola filosófica da Grécia antiga.
[8] 1 obsl. parte da planta que se desenvolve debaixo da terra; raiz 2 p.ext. fig. tronco familiar; genealogia.